Tuesday, November 6, 2012



Os Estatutos do Homem
(Ato Institucional Permanente)

A Carlos Heitor Cony


Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.

Artigo XI
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final.
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.


Thiago de Mello
Santiago do Chile, abril de 1964


.

15 comments:

Trilhamarupiara said...

Olá amigo, perfeito todos os decretos, eu destacaria o IV, o homem confiando no homem rs seria muito bom! Abraçossss

Unknown said...

Fica decretado que vale a verdade cheia de sonhos e desejos.
Adorei!!
beijos!!!

Unknown said...

este poema está sempre vivo, pulsante, quem dera todo homem o pudesse ler (não com os olhos, mas com o coração),

abração broda

Tania regina Contreiras said...

Não me canso de ler e sonhar com isso...
Beijos, Beto.

Juliana Kalid said...

amém!

:)

cirandeira said...

Os tempos e as pessoas mudam, mas a utopia permanece!!!

um beijo

Mariani Lima said...

Terças convertidas em domingos, homens em meninos e tudo mais seria perfeito, a vida seria uma poesia de fato.

Abraços.

Primeira Pessoa said...

pois é, kellen,
o homem lobo do homem.
eu confio. e desconfio.

depende de quem seja.
mineiramente.

beijão,
r.

Primeira Pessoa said...

fica decretado, janice.
e quem não obedecer vai passar o resto da vida escutando "fanque", torcendopro flamengo e votando no maluf.

que tal? rs

abração do
r.

Primeira Pessoa said...

zé de assis,
esse poema foi feito pra todo aquele que não é homem lobo do homem.

esse poema foi feito pra você.

beijão do broda

r.

Primeira Pessoa said...

taninha,
minha "sista"...
sonhemos juntos.
quem tem um sonho não dança.

beijão,
r.

Primeira Pessoa said...

a vida sem utopia é como pastel sem azeitona.

manja cumequié, cirandeira?

eu sigo sonhando com a minha azeitona. com o meu pastel.

beijão,
r.

Primeira Pessoa said...

amém, juliana.

amém "nóis tudo".

beijão,
r.

Primeira Pessoa said...

a vida sem poesia não é vida: é pesadelo, mariani.

o olhar em sépia, em pleno verão.

beijo grande do

roberto.

Dois Rios said...

"A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente"... como, por exemplo, a liberdade de sonhar.

Thiago é meu conterrâneo. Lá no Amazonas tem coisa boa, também.

Beijo,