Wednesday, September 29, 2010
Borracharias viram bibliotecas em Sabará
Criada há oito anos, a Borrachalioteca cresce e inaugura novas unidades, inclusive o Espaço Libertação, no presídio municipal. Projeto desenvolve oficinas de poesia e percussão
Fundar uma Borrachalioteca, ou seja, uma biblioteca dentro de uma borracharia. Essa ideia começou a andar pela cabeça do então estudante Marco Túlio Damascena há 10 anos, quando ele, com 22 anos, passou a trabalhar com seu pai, o borrracheiro Joaquim Escolástico Damascena, numa pequena borracharia na Praça Paula de Souza Lima, no Bairro Caieira, periferia de Sabará. Fica a menos de 30 metros metros do poluído Rio das Velhas. Como era de se esperar, o “velho”, a princípio, não achou nenhuma graça naquele projeto, pois onde já se viu uma coisa daquelas, misturar livros com pneus? É claro que não daria certo. Mas Marco Túlio, que é tão cabeça dura quanto o pai, continuou insistindo. Coração mole, Joquim acabou cedendo.
Estava nascendo, a partir desse pequeno embate familiar, um dos projetos culturais mais originais de Minas, a Borrachalioteca de Sabará, que hoje, oito anos depois da sua fundação, além de ser reconhecida em todo o país, se transformou numa associação: o Instituto Cultural Aníbal Machado. O nome foi dado em homenagem ao escritor, filho da terra, autor de obras-primas como Tati, a garota. Atualmente conta com mais três unidades: a Sala Son Salvador, que funciona no Bairro Cabral; o Libertação pela leitura, dentro do presídio municipal de Sabará; e a Casa das Artes, também no Bairro Caieira. Recém-inaugurado, este novo espaço abriga, além da Cordelteca Olegário Alfredo, uma biblioteca infanto-juvenil, com cerca de 5 mil títulos, doados pelo Centro de Educação, Leitura e Escrita, da Faculdade de Letras da UFMG, e ainda os grupos Arautos da Poesia e Tambores Gerais, com mais de 40 integrantes.
Na Borrachalioteca, que continua funcionando no local de origem, estão em fase de catalogação quase 10 mil livros, dos mais diversos gêneros, à disposição da comunidade de Sabará. Ali, às quartas-feiras, ocorrem as Tardes culturais, voltadas para as escolas da região, quando são realizadas sessões de leitura, declamação de poemas e contação de histórias com as professoras Aguida Alves, Lourdinha Reis, Márcia Reis e Izabela Cristina. Ao lado, vendo tudo “com bons olhos”, ‘‘seu’’ Joaquim continua remendando os pneus e fazendo seus negócios.
“Nada mal para quem, como nós, começamos aqui na borracharia com apenas 70 livros, que nos foram doados pela Biblioteca Pública Municipal Joaquim Sepúlveda, de Sabará. Ver tantos títulos hoje, de autores brasileiros e estrangeiros, lotando essas estantes e sendo lidos pelo pessoal da nossa comunidade me dá uma alegria muito grande e vontade de continuar sempre com o trabalho”, comemora Marco Túlio Damascena. Além de ter criado a Borrachalioteca, ele conseguiu realizar outro sonho: o de se formar na Faculdade de Letras. Leitor contumaz desde a adolescência, quando começou a ter contato com a poesia de Lêdo Ivo, Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles, Túlio afirma que seu maior orgulho, hoje, é ver as crianças da comunidade, seus “clientes” mais assíduos, buscar livros na Borrachalioteca.
Entre os garotos e garotas que frequentam o espaço estão as amigas Ana Beatriz Silva de Oliveira, de 9 anos, e Raíssa Vitória, de 11, ambas alunas da Escola Estadual Paula Rocha, em Sabará. Olhos atentos, boas de conversa, e muito interessadas na leitura, elas fazem parte do grupo Arautos da Poesia, que funciona na Casa das Artes. Bons companheiros, outros que estão sempre presentes na Borrachalioteca e na Casa das Artes são os pequenos João Vitor Batista, de 9, e Henrique Policarpo da Costa, da mesma idade. Como Beatriz e Raíssa, também estudam na Paula Rocha. Eles participam também do Grupo Tambores Gerais, onde são alunos do escritor e percussionista Jorge Dikamba. “Desde o início colaboro com o Marco Túlio e tenho orgulho do nosso trabalho, pelo fato de proporcionarmos às crianças da nossa comunidade a oportunidade de ter contato com a cultura. Já nos apresentamos em Belo Horizonte, algumas cidades do interior e também em São Paulo”, diz o percussionista. Coordenador da Casa das Artes, Dikamba é autor do livro infanto-juvenil Amani, publicado pela Com Arte Edições.
Todo o esforço, aliado à vontade de continuar levando adiante os projetos, já rendeu à Borrachalioteca alguns prêmios importantes, como o Viva Leitura, em 2007, e Ponto de Leitura, em 2008, concedidos pelo governo federal. “Tudo isso nos incentiva, e só nos faz querer seguir adiante”, diz Marco Túlio. Com orgulho, mostra convite que acaba de receber do Ministério da Cultura para, em 19 de agosto, participar do 3º Seminário Internacional de Bibliotecas Públicas e Comunitárias e do 3º Fórum Nacional do Livro e Leitura, em São Paulo. Na ocasião, falará da sua experiência e do trabalho que vem realizando, não só na Borrrachioteca, como nos outros espaços criados pelo Instituto Aníbal Machado.
Carlos Herculano Lopes
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8 comments:
Havia visto reportagem sobre a borachalioteca faz anos... saber que o projeto vingou é muito bom... serve pra gente ver que basta uma idéia e força de vontade, as coisas vão surgindo... atraímos aquilo que queremos e desejamos com afinco... :)
Coisa maravillhosa, Roberto...E a música que toca, outra beleza!
Bjos,
Tânia
Muito legal né Roberto?!!!
Já estive lá.
bjs.
Roberto, só você pra difundir ideias tão geniais. Obrigada por compartilhar essa genialidade chamada Borrachalioteca...
Beijo
Carla
basta um pouquinho de criatividade e muita boa vontade que os espaços de utopia florescem, livro rima com qualquer coisa, borracha, vidro, visgo, padaria - em BH tem o projeto pão e poesia - as almas carentes se dão por alimentadas,
abração
Roberto!
Sensacional a idéia e a postagem. Qualquer lugar que se crie uma biblioteca, por menor que seja, é sempre um início.
Abração!
Mirze
Grande exemplo a ser seguido.
Olá, Roberto, coloquei em dia minhas leituras aqui no Primeira Pessoa. Como você diz, 'falho mas não tardo', rs. Que maravilha esse projeto de biblioteca em uma borracharia, exemplo a ser seguido mesmo, pois a educação, um projeto de grande envergadura, é a única alternativa para salvar o país.
Li tua crônica sobre Valadares também, ótima, o poema do André Breton, e o prêmio outorgado ao grande Sebastião Salgado, nosso conterrâneo. Leituras variadas, interessantes, como sempre um prazer passar por aqui.
Grande abraço, meu amigo, e obrigado pelo carinho e visitas.
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