Do Mercado Central de Beagá
Fui ao Mercado Central de Belo Horizonte comprar uma panela de pedra-sabão, que pretendia trazer para New Jersey com a finalidade de incrementar minha modesta moqueca de peixe.
- Mas isto é um trambolho, ponderou meu pai.
E não ficou nisto:
- Você vai carregar um ‘esparrame' destes no avião?
Saí sorrindo, evitando mais uma polêmica entre pai e filho, ciente de que nosso relacionamento estava inaugurando uma nova era na minha não resposta.
Uma vez no destino, acabei não resistindo e comprando um montão de tralhas numa lojinha simpática, não me preocupando com o excesso de peso que a balança da companhia aérea certamente acusaria.
Comprei um pilão de socar alho em madeira de lei, que é um charme.
Adquiri, também, um bule de café, daqueles feitos de esmalte - muito usados nas casas da roça -, juntamente com seis simplórias canequinhas que darão um aspecto jeca-chique à minha modesta cozinha.
Para meu amigo Neném Corrêa, que ganha a vida erguendo casas por aqui, descolei um jogo de marmitas de alumínio, que será muito apreciado por ele, e motivo de gozação de seus pares.
Para Fábio Portugal pensei em trazer um urinol, à guisa da mais ingênua troça.
Desisti, mas os vi lá, em diversos materiais: alumínio, esmalte, ou plástico duro, nas mais variadas cores, pendurados na entrada de um bequinho onde vendiam ainda artigos de umbanda e enfeites feitos de palha e cipó.
Para meu irmão Toninho, que curte velharias decorando a sala de sua casa, comprei um prosaico ferro à brasa, pesadíssimo, que certamente comprometeria minha cota de peso no avião.
E, só não comprei mais coisas, porque fui arrastado por um amigo boquiaberto, que se recusava acreditar que, além da caixa de latinhas de skol e cinco garrafas de cachaça de Salinas já adquiridas, eu falava em incorporar alguns espetos de churrasco em diversos tamanhos.
Queria, também, um cortador de feijão, uma forminha de alumínio apropriada para fazer misto-quente, e um tacho de cobre que seria usado no feitio de doce de leite.
Não fosse pela intervenção desta alma de bom senso, teria adquirido muito mais.
Ah, amigos, como eu gostaria de ter trazido para todos vocês, um pouco do muito existente naquela imensa vitrine de vida, que é o mercado central.
Queria trazer um cheiro de umas douradas carambolas, que vi na banca de uma barraca ao lado de caquis, jambos, pitangas e cajás.
Queria trazer a essência e o perfume de alguns abacaxis maduríssimos, frutas do conde, mexericas e mangas rosa e espada, exuberantes, que vi numa outra loja.
Sem me esquecer de encher uma sacola com jilós, maxixes, quiabos, batata doce, mandioca (enxutíssima!), agrião, taioba, mostarda e limões-capeta e galego.
Para temperar nossas vidas traria uma réstia de alho em forma de trança, um "molho" de coentro e pequenos feixes de alecrim e manjericão.
Numa barraca de aves, compraria uma galinha velha, e preferência do "pescoço pelado", que traria, na esperança de conseguir alguém que nos fizesse uma canja como aquelas da lavra de nossas mães.
Poderia trazer, ainda, uns ovos de codorna, que tomaria batido com cerveja preta da marca Caracu, que também viria camuflada em algum lugar da mala.
E mais umas garrafas de raízes fortes: losna, carqueja, jurubeba e boldo.
Da floricultura eu traria umas hortênsias, umas "flores de visgo", uns copos-de-leite e algumas mudas de mal-me-quer.
Queijos, requeijões, carne-de-sol, linguicinha defumada e paio, que não poderiam ser esquecidos em minha lista.
Mas ficou tudo lá, e destas coisas tantas só posso dar a notícia.
Inclusive minha mala, extraviada pela companhia aérea, e que foi localizada, pela última vez, em algum lugar de minha saudade.
*
Foto surrupiada da internet, bonecas de barro do Vale do Jequitinhonha, abundantes no Mercado Central, em Belo Horizonte.
A Música Que Toca Sem Parar:
De Elomar Figueira de Melo, O Pedido, interpretada por Francisco Aafa.
Já que tu vai lá pra feira
traga de lá para mim
Água da fulô que cheira,
Um novelo e um carrim
Traz um pacote de miss
Meu amigo Ah! Se tu visse
Aquele cego cantador
Um dia ele me disse
Jogando um mote de amor
Que eu havera de viver
Por este mundo e morrer
Ainda em flor
Passa naquela barraca
Daquela mulé resera
Onde almoçamo paca,
Panelada e frigideira
Inté você disse uma loa
Gabando a bóia boa
Das casas da cidade
Aquela era a primeira
Traz pra mim umas brevidades
Que eu quero matar a saudade
Faz tempo que eu fui na feira
Ai saudade...
Ah! Pois sim, vê se não esquece
D'inda nessa lua cheia
Nós vai brincar na quermesse
Lá no riacho d'areia
Na casa daquele homem,
Feiticeiro curador
O dia inteiro é homem
Filho de Nosso Senhor
Mas dispois da meia noite
É lobisomem comedor
Dos pagão que as mãe esqueceu
Do Batismo salvador
E tem mais dois garrafão
Com dois canguim responsador
Ah! Pois sim vê se não esquece
De trazê ruge e carmim
Ah! Se o dinheiro desse
Eu queria um trancelim
E mais três metros de chita
Que é pra eu fazê um vestido
E ficar bem mais bonita
Que Madô de Juca Dido,
Zefa de Nhô Joaquim
Já que tu vai lá pra feira
Meu amigo, tras essas coisinhas
Para mim.
29 comments:
Beto,
você não sabe o arrependimento que eu sinto de não ter comprado uma panela de pedra lá de Almenara, na mão da artesã, em uma feira que elas fizeram na UFMG. Como dói...
Aqui em casa o pé de carambola está arriado no quintal de tanta fruita madurando... As laranjeiras não vingaram, mas o conde, a romã e araçá tão que tão! Comprei as madeiras e a tela pra refazer o galinheiro. Falta agora passar a mão na boca de lobo e furar os buracos. Em umas duas semanas deverá estar pronto!
Aí é passar no mercado, comprar meu galo garnizé da maior valentia, umas duas galinhas da angola, pra não esquecer do "tô fraco" e umas quatro frangas pra garantir o ovo quente de manhã e o omelete de jiló!
ê.. lê..lê..
Sua memória tá um primor e o abacaxi do mercado continua docim, docim...
beijos e abraços!
A foto dos bonequinhos me remeteu a visita que fiz a casa de mestre Vitalino, em Caruaru. Era tanta simplicidade e tanta arte. A música do mestre Elomar é sempre cativante, como seus bodes na malhada da Casa dos Carneiros. Abração.
fouad,
omelete de jiló deve ser bom de doer. conhecia não... mas minha memória gustativa me diz que dá pra comer de pá.
meu pai vive em betim. numa chacrinha (rs)... mangueiras, abacateiro, acerola, mandioca, banana, goiaba, pitanga, limão capeta e os capeta...
uns cachorrim tomba-lata, uns franguim e até um pato, o jimmy, que minha filha isabella comprou recém saído do ovo e é hoje o dono do terreiro, no meio das franga tudo.
aliás, perto da casa deles tem um pesque-pague (e todo pesque-pague é uma espécie de puteiro... rs... pagou... levou) que tem a melhor galinha caipira de minas gerais.
não to exagerando. levei o ivo faria lá (ele, o maior chefe de cozinha de minas) e ele mesmo deu as "bênça" pro frango dos cara...
bicho... é muito boa a galinha. com molho ou no arroz (galinhada), é imbatível...
num minuto ela cisca no terreiro... no seguinte... tá no prato.
é de comer de joelhos.
ainda te levo lá. a gente racha a conta. 35 real... dá pra uns 4.
e tem uma pinga de alambique que é bem profissa.
ir a caruaru é um sonho de consumo. o kledir foi fazer um show lá ha 3 anos durante uma turnê e carregou uma banda de pífanos pra me presentear pelo nordeste inteiro...
eu tenho a peça, inteirinha, no meu escritório. linda!
assunta: me contaram que elomar entrou pra universal.
não a gravadora... to falando da igreja, aquela do edir macedo.
cê crê num trem desses, assis?
Que chatice em Roberto!
Quando vou ao mercado central sempre faço um bom estrago na conta bancaria.
Bjs.
roberto, teu texto dá saudade até em quem não conhece isso tudo aí...dá vontade
e hoje à tarde eu estava ouvindo elomar...e sabe que lembrei de ti? pensei bem assim:
"bah! essa música bem cabe no blog do roberto."
ia até te escrever pra dizer isso...chego aqui e a música que toca é a própria! vai ver é coisa daquela tal sincronicidade (ou então tô vindo muito aqui...rs)
E eu só conheci elomar a pouco menos de 1 ano, por intermédio de meu amigo sócrates, sertanejo de camaçari. e não sei como pude passar anos sem saber que essa preciosidade em pessoa, prosa, versos e musicalidade existia. daí, me apaixonei!
beijos pra ti
fatima,
quando vou a algum lugar que aida nao conheço (ou mesmo os que já conheço) um de meus programas é ir ao mercado onde as pessoas do lugar fazem suas compras.
é sempre um desbunde.
bom te ver por aqui!
andrea,
é gênio, esse elomar. tenho tudo dele e, caso queira, posso mandar uns mp3.
escuto desde a adolescência e nao enjoei até hoje...rs
sim, deve ser a tal sincronicidade, sinergia... chame do que quiser...rs
essas coisas, às vezes, ficam "no ar"...
beijão procê.
Roberto, esse seu blog tem dois pavimentos, e eu nem sei qual é melhor! aqui embaixo é sempre essa conversa boa de ouvir, e hoje com esse arranque mineiro e esse link do Assis pra Pernambuco. Rapaz, esse Fouad é tão inteligente que eu fico pensando se o nome não é sigla de algum "coletivo"! Rs.
E vai chegar mais gente aí, falando de mercados, feiras e saudades, porque mercados e feiras são, de fato, vitrines da vida, toda aquela venturosa mistura, aquele carnaval de cheiros e cores. Não me convide não para ir a um Shopping! Mas se precisar de um carregador para as tralhas regateadas num mercado municipal, pode me chamar. Aliás, o meu pai teve durante anos um box num antigo mercado municipal de Nova Iguaçu, e posteriormente foi feirante por quase uma década. Acompanhá-lo naqueles ambientes era uma experiência única e inesquecível!
Com relação à igreja... O obscurantismo vem na rabeira, ou à frente, sei lá. Apesar de que, ela é tão moderninha em seu caráter empresarial!
Abração.
ahh roberto, eu quero os mp3 sim...manda aí quando tiver um tempo (andrea_neto@hotmail.com)
valeu!
beijooo
bah! o fouad, ai pra cima, me deixou com uma baita vontade de carambola...
aqui é tri difícil...e quando tem, é com gosto de nada (fruta de estufa)
fazer o quê, né? pelo menos a gente tem churrasco, carreteiro e chimarrão...ah e pinhão nessa época ;)
ô xente - só de alembrar do mercado central já sinto os cheiros, dá água na boca - tem pimenta, tem canela, tem cravo, fruta do mato, jiló, almeirão, ovo caipira, fatia de abacaxi, melancia - e tem tu, roberto - que agora, quando voo lá, te sinto ali, do meu lado... até "ouvo" tua risada...
ô sodade matadera, home!!
besossssssssss
besos
eu não falei da música??? be-lís-si-ma - elomar é genial!
besos
lirica,
vamos marcar com o fouad uma ida ao puteiro... digo, ao pesque-pague de betim, pra tal galinha caipira.
depois do rango vou deitar e dormir debaixo de uma caramboleira, à margem da lagoa.
não tem nem perhaps.
beijão,
r.
ps: elomar é tudo de bão.
andrea,
é bom em todo lugar. e é ruim em todo lugar.
em minas tem os cruzeirenses, mas tem também os "atreticanos"...rs
arroz de carreteiro? bão também.
gosto muito.
fruta de estufa?
gosto não. tem gosto de beijo de tia. rs
em compensação ps pés de churrasco aí são maravilhosos...rs
beijão procê, andrea.
r.
marcantonio, esse cantinho do blog é o que chamaria de cozinha.
aqui, o café é mais gostoso e a prosa mais íntima.
nenhuma parte da casa é tão íntima (e intimista) quanto a cozinha.
shopping? to fora. aliás, tava comentando no outro dia que as pessoas hoje possuem uma cultura de shopping. eles sabem quem é tommy hillfinger, mas não tema menor noção de quem seja allen ginsberg... oscar de la renta é famoso... calderon de la barca, não... armani é lenda... dante é ninguém...e por aí afora...
mas, o que sei eu?
meu negócio é feira e mercadão. rs
abração procê.
r.
eu, tu, o fouad - e chamo a roberta silva - ela é incrível!!!
besos
frango ao molho pardo arroz e jiló - ô meu deus, melhor num teim!
besos
Perfeito, Roberto. Cozinha, o melhor lugar da casa para uma confraria! Essa oposição entre Oscar De La Renta e Calderon De La Barca é demais! É a pós-modernidade sintetizada num frasco. A propósito, quem é mesmo Tommy Hillfinger?
Abração.
Tommy Hillfinger? ponta direita do bangu...rs
kenzo ou bashô?
ah, marcantônio essa conversa estica.
e dá crônica. rs
abração com gosto de café "temperado"com "raspa" de rapadura.
do
r.
líria,
ta combinado. aliás, podemos convidá-los pro recital na casa de zé pãozim. o que é que cê acha?
beijão,
r.
Marcantônio "tirou as palavras da minha boca" (adoro essa expressão!): não se sabe se o melhor é a parte de cima ou a de baixo... Aqui a gente demora mais participando dessa conversa na cozinha. E vou logo dizendo que detesto shooping também, amo os mercados e feiras livres (o cheiro...ah, o cheiro é tão bom!!!), registro também que tenho meu ferro de passar roupa a brasa, que virou uma peça decorativa toda enfeitadinha, linda e...nossa, a gente chega aqui e bate é um saudade de tanta coisa, até de penico de esmalte que faz tempo não vejo um! rs
Beijo, Roberto
tânia,
às vezes sinto-me tão antigo, que até penico de esmalte, faz tempos que não uso um...rs
esse ferro à brasa, como diria o erasmo, é uma brasa, mora?
abração de antiquário do
roberto.
acho ótemo!!!!!!!!!!!
vamos formando nossa curriola, né?? risos
besos
lírica,
na pior das hipóteses fazemos uma versão pós-tancrédica e de cunho etílico-gastronômico da inconfid6encia mineira.
vai ser fraco não!
beijoca,
r.
Vc é uma mala que carrega saudades, bem percebe-se isso, mas uma mala com alças, tá? rs. E bem boa de abraçar =).
Abração forte!
Ouvir a músíca do Elomar sentada no terreiro, me lambuzando com metade dessas suas compras, seria divino!!!!! eita coisa boa é Minas com sertão Bahiano.
pois, querido amigo, entre o que quererias levar e o que efectivamente pudeste carregar apenas restou a saudade da terra e das suas gentes, verdade?.
um abraço desde esta braga que voltou a acolher a cheva. raios!
larinha,
cê encontrou uma maneira bonitinha e poética de me chamar de "mala"...rs
magoei!
jorge pimenta,
o inevitável acontecerá: jorge de braga em terras altas de minas gerais.
vai reservando os euros pro bilhete...
você vai virar nome de rua em belo horizonte.
líria porto já iniciou um abaixo-assinado nesse sentido.
abração do seu fã e amigo
rl.
pois é, renata...
mas escutar elomar é bom pra qualquer lugar. até mesmo aqui, neste minifúndio de afeições.
bom te ver por aqui.
abração do
roberto.
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