Wednesday, May 26, 2010
Dois Poemas de Maria do Rosário Pedreira
1.
Não há mais nenhum nome. Depois de ti
destinaram-me apenas corpos que não amei,
rostos onde não quis pousar os olhos por temor
de os fixar, mãos que eram sempre as sombras
das tuas mãos sob os lençóis. Nunca sequer as vi,
nem toquei esses dedos que, no escuro, celebravam
na minha a tua carne — se outro motivo os trazia,
por mais vago, também não quis ouvi-lo, nunca
o soube. Depois de ti, depois dos outros homens,
é ainda o teu nome que digo, e nenhum outro.
2.
De que me serviu ir correr mundo,
arrastar, de cidade em cidade, um amor
que pesava mais do que mil malas; mostrar
a mil homens o teu nome escrito em mil
alfabetos e uma estampa do teu rosto
que eu julgava feliz? De que me serviu
recusar esses mil homens, e os outros mil
que fizeram de tudo para parar-me, mil
vezes me penteando as pregas do vestido
cansado de viagens, ou dizendo o seu nome
tão bonito em mil línguas que eu nunca
entenderia? Porque era apenas atrás de ti
que eu corria o mundo, era com a tua voz
nos meus ouvidos que eu arrastava o fardo
do amor de cidade em cidade, o teu nome
nos meus lábios de cidade em cidade, o teu
rosto nos meus olhos durante toda a viagem,
mas tu partias sempre na véspera de eu chegar.
Maria do Rosário Pedreira ( Lisboa, 1959 ) é editora e escritora.
A Música Que Toca Sem Parar:
Caetano Veloso gravou para o Songbook de Chico Buarque esta versão de O Que Será (À Flor da Pele). A canção, um clássico do repertório de Chico Buarque e Milton Nascimento.
O que será que será
Que andam suspirando
Pelas alcovas?
Que andam sussurrando
Em versos e trovas?
Que andam combinando
No breu das tocas?
Que anda nas cabeças?
Anda nas bocas?
Que andam acendendo
Velas nos becos?
Estão falando alto
Pelos botecos
E gritam nos mercados
Que com certeza
Está na natureza
Será, que será?
O que não tem certeza
Nem nunca terá!
O que não tem concerto
Nem nunca terá!
O que não tem tamanho...
O que será? Que Será?
Que vive nas idéias
Desses amantes
Que cantam os poetas
Mais delirantes
Que juram os profetas
Embriagados
Está na romaria
Dos mutilados
Está nas fantasias
Dos infelizes
Está no dia a dia
Das meretrizes
No plano dos bandidos
Dos desvalidos
Em todos os sentidos
Será, que será?
O que não tem decência
Nem nunca terá!
O que não tem censura
Nem nunca terá!
O que não faz sentido...
O que será? Que será?
Que todos os avisos
Não vão evitar
Porque todos os risos
Vão desafiar
Porque todos os sinos
Irão repicar
Porque todos os hinos
Irão consagrar
E todos os meninos
Vão desembestar
E todos os destinos
Irão se encontrar
E mesmo padre eterno
Que nunca foi lá
Olhando aquele inferno
Vai abençoar!
O que não tem governo
Nem nunca terá!
O que não tem vergonha
Nem nunca terá!
O que não tem juízo...
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24 comments:
Maria do Rosário me lembrou uma canção de Sá e Guarabira em que eles desfilam um rosário de marias. Poemas á flor da pele, bela combinação. Abração do Maradona da Queimadinha.
assis,
acho que cê tá falando de Sete marias.
gosto da canção. aliás, foi de sá & guarabyra o primeiro disco que comprei na vida.
anos depois eu ficaria amigo da dupla e guarabyra se desconcertava sempre que eu relembrava este fato do primeiro disco.
(guarabyra, que escreveu durante anos no meu jornal... faziíamos umas brincadeiras malucas com a escrita... bem no comecinho da internet)...
putz... seu comentário acendeu uma vontade brutal de falar com o guarabyra.
ou telefono hoje, ou nunca mais... ficou essa urgência...
Maria do Rosário - eu não conhecia! A fala da solidão do feminino sempre é uma fala tão profundamente verdadeira, venha em verso, venha em prosa...O "amar" feminino é mesmo de uma profundidade sempre comovente.
Ouvi a voz do Chico por trás da voz do Caetano: ah, amo o Chico cantando esta, especialmente!
Beijo, Roberto!
tania,
só lamento que a gravação tá com um chiado horroroso no início (e em mais algumas passagens), pois foi digitalizada a partir de um vinil arranhado.
vou ver se descolo uma versão melhor por aí.
com o milton acho mais substanciosa. mas ficou bem charmosa na voz de caetano, admito.
belíssima quarta-feira pra nós.
beijão
r.
Obrigada por me mostrar a Maria e o seu poema ardidamente feminino.
Emocionei!
Entre rodopios, sinuosidades, faz-se de singularidades. Puro requinte poético. Abração. Convido-o para conhecer o meu
www.cinzasdiamantes.blogspot.com
Abraço bom,
Antonio Nahud Júnior
Roberto, eu que fico feliz pelo encontro que o blog proporciona, por me fazer vir aqui e descobrir tão bela coleção de escritos seus e escolhidos.
obrigada por isto!
Se redescobre todo dia o quão pouco do que é bom conheço... ;)
ow, ce sabe como eu amo esses portugas. caraca, eu fico a ler estas coisas e, porra, penso que não vale a pena fazer poesia em papel, limpar as merdas de sempre.
é urgente me reinventar.
ei, uma notícia boa e uma ruim: a boa é que to com meu pc de volta. a ruim é que perdi tudo que tinha, tive de trocar hd. será que eu conseguirei ao menos umas estrelinhas do mar? rs..
beijos.
lindos os poemas, roberto!
entendo, na pele e na alma, cada palavra deles...e isso, por hoje, me silencia
beijo pra ti
(a música...a música é belíssima, uma das que mais gosto...não fosse o silêncio, tocaria sem parar na minha cabeça)
Esta manhã encontrei o teu nome nos meus sonhos
e o teu perfume a transpirar na minha pele.
E o corpo doeu-me onde antes os teus dedos foram aves de verão
e a tua boca deixou um rasto de canções...
Maria do Rosário Pedreira
Adoro tudo o que ela escreve...e deixo pra ti este poema...
Beijo
... ignorância pura, a minha... desconhecia a autora, mas acrescento que fiquei siderado com os dois textos (três, na verdade, porque li também o que a magnólia citou) aqui lidos. o primeiro tocou-me de modo tão extremo que tomei a liberdade de o copiar e colar no meu caderninho de poemas especiais. obrigado, amigo roberto!
um abraço!
p.s. olha que não sou pimenta doce... faço até espirrar (e muito, hihihi).
ao meu sentir, ignorante é aquele que conhece e ignora.
quem não teve a oportuunidade de conhecer alguma coisa, não pode e não deve ser considerado um ignorante.
é bom acrescenter, agregar, incorporar coisas e emoções novas, poeta de braga...
pimenta doce, sim...rs
e dono de um crescente fã clube do qual sou presidente por obra e graça...rs
abração, bracarense jorgíssimo.
magnólia, você é, das pessoas que conheço, uma das que melhor conhece a poesia lusitana do último século.
e sua presença aqui no PP tá sempre acrescentando alguma coisa.
bem vinda seja, sempre!
andrea,
fico feliz que tenha gostado dos poemas e da canção.
esta gravação de caetano é rara.
e rara é a sua beleza.
concorda?
beijão,
roberto.
nina,
vou providenciar o envio da canção da estrelinha.
fico feliz que seu PC tenha se salvado.
o seu arquivo, por mais que tenha se perdido, sei que em breve você o terá substituído por coisas lindíssimas.
sua presença aqui me dá imensa alegria.
beijão do
roberto.
é verdade, francisco.
todo dia é dia de grandes e pequenos descobrimentos.
navegar é preciso, disse alguém um dia, certo?
abração deste eterno marujo de primeiríssima viagem...
o
roberto.
antonio,
visitarei seu blog, sim.
é sempre bom conhecer novas pessoas com afinidades, que se encantam pelas mesmas coisas, que se emocionam por motivos parecidos.
bem vindo a este canteiro de bem-querer.
abração do
roberto.
Haja amor, Roberto.
A Maria do Rosário elevou o amor às alturas que merece.
Cara, não conhecia "O Que Será? (À Flor da Pele) com o Caetano.
Excelente.
Só não supera a do Bituca no "Geraes".
Simplesmente estupendo.
Abração, amigo.
Sabiana,
tenho conhecido o trabalho de muitos poetas bons, graças ao milagre do compartilhamento nos blogs.
fico feliz por ter podido dividir com você um pouco da generosidade de outras pessoas comigo.
venha sempre que quiser.
abraço grande do
roberto.
tainah,
partindo de você - que faz com esmero um dos belos blogs que vi até aqui -, suas palavras são para eu guardar com carinho.
e, como está bordado na parede da mercearia lá do lugar de onde venho, "obrigado! volte sempre!".
abração do
roberto.
PJ,
concordo com você em gênero número e grau. a interpretação de milton é insuperável.
mas esta de caetano "não ficou fraca", não...
ó, e tava com saudade de te ler por aqui.
abração, poeta!
Das minhas preferidas do Chico, de sempre !
Adorei este teu post, Roberto.
Obrigada pelas tuas partilhas bonitas.
Abraço !
Sofia.
sofia,
sempre uma alegria...
e a partilha... ela é o melhor pedaço do pão.
beijos,
roberto.
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