Monday, April 12, 2010

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De Almas Gêmeas e outros Afins
Cada pessoa se encanta pelo que lhe enche o espírito. Ou pelo que lhe salta aos olhos.
É raro quando encontra-se alguém tão parecido com nós próprios, e é nessa situação que aparecem as chamadas almas gêmeas, as grandes amizades, os grandes amores.
Mesmo nas diferenças, essas pessoas “iguais” aprendem logo de início a ser tolerantes, e não se incomodar tanto com os defeitos, ao passo que as virtudes ganham especial realce, um holofote azul que lhes maximiza cada detalhe.
Os amigos verdadeiros são solidários, tomam nossas dores, sopram nossas feridas e celebram sem inveja as nossas vitórias.
É muito bom quando encontramos na vida, alguém que se encaixa em nossa história de forma sincera, descomprometida com outra razão que não seja a dos laços genuínos.
Paulinho Mota, um conhecido meu lá de BH capaz de frases inspiradas e colocações sagazes, costumava dizer, depois de umas cervejas, que só tinha amigos iguais a si próprio.
E emendava: um cachorro cheira o outro, pelo rabo.
Os iguais se igualam, sim. Os opostos se evitam.
Inimigos não se sentam à mesma mesa por prazer.
Negociam, assinam tréguas, armistícios, mas são água e óleo e não se misturam, verdadeiramente, fora desse contexto estritamente de formalidade.
Não possuo esse “software” e não consigo me relacionar com pessoas que me beijam pela frente, enquanto sei que corro o risco de ser apunhalado pelas costas.
Guardo no coração amizades raras, que cabem na mão.
Deus foi generoso comigo ao longo da vida. E mesmo não sendo absolutamente iguais a mim, esses irmãos gerados no ventre de uma outra mãe, acrescentaram muito ao meu viver.
Nos momentos de perrengue, das desilusões ou das necessidades, tive a ventura de ter ao meu alcance, uma mão firme para segurar, olhos que enxergavam o que eu não conseguia ver e me apontavam a direção correta.
Infelizmente, na caminhada da vida em busca de um lugar ao sol ou de um pedaço de pão, acabamos por nos perder dessas pessoas especiais.
Sim, sou meio estranho, admito. Sou capaz de ficar no frio esperando o primeiro bluejay da primavera. Converso com pica-paus, saúdo cardeais - elogio suas penugens terracota -, enxoto corvos do meu quintal.
Desde menino sou assim.
Encanto-me com pessoas que enxergam beleza em carrapichos, acham as açucenas as flores mais lindas do mundo, admiram-se com a imponência brejeira dos buritis e que preferem uma mesa de bar, a uma pista de dança.
Talvez seja por esse motivo que me identifique tanto com pessoas portadoras de dois pés esquerdos.
Sou absolutamente obcecado por música, por literatura e pelo ofício de rabiscar versos.
Dou um boi para não entrar numa briga e uma boiada para não sair dela.
Identifico-me com os Quixotes desta vida, pessoas cujos moinhos de vento são reais.
Embora possa causar uma impressão errada com atitudes que possam parecer sofisticadas, à mesa gosto mesmo é de rapa de arroz, de pão com lingüiça e uma cachacinha de alambique. Quem me conhece bem, sabe de minhas preferências.
Escrevo isso tudo porque lembrei-me com saudade de Edson Balinha, absolutamente lelé da cuca, um amigo querido, que guardo do lado esquerdo do peito e de quem me perdi em minha caminhada.
Um sujeito com quem me identificava tanto, crescendo, que olhava-o, a transitar pelas ruas e me via, caminhando dentro de seus sapatos. Almas gêmeas, ele e eu.
Balas, querido, essa crônica é pra você.
Aonde você estiver.



A Música Que Toca Sem Parar:
Meu Pobre Blues, Zizi Possi, cantando Sérgio Sampaio.

26 comments:

CANTO GERAL DO BRASIL (e outros cantos) said...

Roberto,
No meio do meu trabalho, paro tudo para sobretudo apreciar uma crônica sua (um poema seu - quando vem?) e deparo tanta doçura em suas palavras, em seus causos, nos comentários trazidos por seus leitores amigos, que dá aquela vontade de jogar tudo pro ar e ir viver de brisa, como naquele poema do Bandeira, e só poesia.

Admiração do seu amigo,
Ramúcio.

Anonymous said...

Você não é estranho ou anormal. É absolutamente humano, mas diferente da maior parte da humanidade. Ainda bem!

Beijo.

Primeira Pessoa said...

ramúcio,
breve-breve estaremos tomando uma cervejota aí no valadão.
me aguarde.
aí passaremos todas as fofocas a limpo, renuniremos amigos, resolveremos todos os problemas do mundo... assim, tão facilmente...
aguarde que te aviso.

abração,
R.

Primeira Pessoa said...

ah, J...
caetano ja dizia que de perto, ninguem é normal. mas sou amigo dos amigos, sim. e isso me traz imensa alegria.
é sempre bom te ver por aqui.
abração
R.

ps: você viu Africa, com fotos de Sebastião Salgado e textos de Mia Couto? Veja! voce que gosta do Mia e aprecia a boa fotografia, terá um banquete.

Júlio Castellain said...

...
Ah! Camarada,
Palmas pra vc e pro Balinha.
Abraços.
...

Primeira Pessoa said...

esses amigos que são pra sempre, julio...
não o vejo há mais de dez anos.
mas penso sempre nele.

qualquer dia destes o surpreendo, na alta vitória da conquista-ba.

abração, poeta!

Anonymous said...

Ei Érre,

Me faltaram as palavras... você usou (bem demais) todas elas...
Só me resta assinar embaixo e levantar meu copo pra brindar com você mesmo que à distância.

Saudades...
Your "sista from anoda moda"
Diubs
Amanhã vou no Café Piu-Piu ver a participação do Paulinho Pedra Azul na gravação do DVD de um amigo dele.

Primeira Pessoa said...

putz, ver pedrazul no piupiu?

eita inveja branca d'ocê....

dá um beijão nele por mim.

pode chegar mandando um rumbora gieeeeeente.....

ele vai saber do que se trata.

beijão, diubs.
do broda from anoda moda....

R.

Wilson Torres Nanini said...

Roberto, é bom ler seus textos para confirmar que faço bem em achar açucenas lindas, sejam elas bíblicas ou obscenas.

Você com dá ao texto um ar de despojamento, sme igual.

É ótimo te ler, mineiro!!

Abraços!!!

Unknown said...

A tua cronica me lembrou uma música, los hermanos, no trecho que diz:

Nos perdemos por el mundo
Nos volvemos a encontrar.
Y asi nos reconocemos
Por el lejano mirar
Por las coplas que mordemos
Semillas de inmensidad.

Abraço do amigo.

Em@ said...

Roberto:
Eu assino por baixo o que J. escreveu.
e acrescento, em relação a mim própria de que sou 100% solidária, mas se há coisa que mexe comigo é a ingratidão.
abraço

Anonymous said...

Pedrazul no piu-piu deve doer um bocado... mesmo sendo azul, a pedrinha.

[desculpa Érre, não resisti... rsss - texto lindo, comentários maravilhosos... estraguei tudo...rs - mas foi irresistível]

Bj
Diubs

Anonymous said...

Que bonita crônica! De emocionar...
Bom requisito para mim é gostar de Raulzito e não me achar doida por andar por aí colhendo versinhos, rs.

Identifico-me contigo, por este texto e por muitas coisas que vc representa, mesmo à distância.

Abraço fraterno!

nina rizzi said...

Essa imagem me lembrou um filme que gosto muito, e que é também um sonho: "Livro de cabeceira", me caminhar/ escrever/ pintar.

E boa música, boa crônica. Pra quê mais?

Um beijo.

Primeira Pessoa said...

Nina,
sua presença, sempre me alegrando nesse minifúndio aqui.
Não vi o filme. Aliás, ultimamente não tenho visto filme algum, coisa que adoro fazer. preciso tomar vergonha na "lata" e arrumar um te tempinho.
mas me prometi devorar um Mia Couto inteirinho esta semana, durante uma viagem de trabalho.

beijão procê também.

Roberto.

Primeira Pessoa said...

Larinha,
não páre, jamais, de colher seus versinhos. Você é excessão pra uma regra acachapante, graças a Deus.
drummond, sim, bonde do tigrão, não.
mallarmé, sim, rebolation "jamé"...

e por aí vai.

ou, melhor, por aí você vai, e nós te acompanharemos com olhares cuidadosos e protetores.

abração do
roberto.

Primeira Pessoa said...

em@,
você e a J são muito generosas.
talvez porque sejamos vinho da mesma pipa e nos emocionemos pelos mesmos motivos.

é bom saber que não estou sozinho no mundo.

beijão procês duas.

R.

Primeira Pessoa said...

assis,
prestenção:

"A verdadeira amizade é aquela que nos permite falar, ao amigo, de todos os seus defeitos e de todas as nossas qualidades."
(Millôr Fernandes)

você, meu amigo, sabe direitim do que to falando...rs

abraço imenso procê.

R.

Primeira Pessoa said...

nanini,
aí nas minas temos essa mania de prosear, contar causos... né?
os mais iluminados se tornam poetas, como você.

abraço grande e admiração do
roberto.

Primeira Pessoa said...

puts... Diubs... nem eu resistiria. (com z peu putz não rimaria tão perfeitamente com diubs...rs)

sim, fui incauto...rs
a pedra, mesmo azul... e mesmo que seja no piu-piu do "frajola", deve doer pra caráleo...
ou, doer no próprio, no cujo-dito (rs), se esse for o caso...

minha boca chegou a amargar, só de imaginar as estrelinhas da dor (aquelas dos desenhos animados...rs) e a expressão devastada na cara do pobrezim...

pedra-azul no piu-piu? o ibama (e o obama) desaconcelha...rs

beijos,

R.

Jorge Pimenta said...

Um brinde à Amizade, Roberto! Um brinde com, pela e na Amizade!

Um grande braço, Amigo!

líria porto said...

eu já te contei que sou curupira, de pés virados pra trás?? que ando pra um lado e chego é no outro? e o pior - meus pés são esquerdos!!

de doido e de louco tu não escapas!!!

ah - recebi um e-mail - meu segundo livro acaba de ser publicado em portugal! pela editora corpos.

(betinho - és uma pessoa linda - essa tua crônica é a tua cara!)

besossssss
besosss
besos

Primeira Pessoa said...

tim-tim, poeta de Braga!
seu post me fez lembrar de quando viu os Trovante na festa do Bombarral, há muitas luas....
antes de ir ao local do show, passei por uma praça que tinha um chafariz de onde vertia sangue de uva...
isso mesmo: vinho do bão.

eu provei!

e aprovo essa nossa amizade.

abração, poeta!

Primeira Pessoa said...

rs...
é por isso que, muitas vezes, acho que ce tá chegando quando, na verdade, cê tá é partindo...rs

curupíria porto...rs

fico feliz demais com a notícia da publicação do seu livro.
onde eu compro? onde?

beijão do seu fã,
R.

Fernando Campanella said...

Uma ode à amizade, com as palavras que o coração dita, gostei muito da crônica, Roberto. O trecho sobre o bluejay, o carrapicho,e as açucenas é demais, muito bom. A sensibilidad irmana.
Abração.

Luciana Marinho said...

que texto mais lindo..

cheirinho de chuva no quintal da infância: alegria dos passarinhos.


(beijinho!)