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Aquele incômodo dedinho que dói
Quando estamos tristes, tudo fica pior. É como quando estamos com um dedo do pé machucado e temos aquela impressão de que sempre o estamos batendo pelos cantos por onde passamos.
Não percebemos que sempre o batemos pelos cantos, desde que nascemos e aprendemos a caminhar, mas que não o sentimos porque ele só dói, quando realmente está machucado.
E não estamos com o dedinho do pé machucado, sempre.
Ou estamos?
Quando estamos nesses dias plúmbeos em que o corpo inteiro se transforma num grande dedinho machucado, ficamos expostos demais, sensíveis demais, fragilizados demais.
Um engarrafamento no trânsito torna-se uma calamidade de proporções tsunâmicas, a derrota do time de coração trucida tanto quanto a perda de um ente querido, e por aí vai.
Só dói quando eu respiro, posso afirmar. Por isso tento aprender a respirar mais miudinho.
Ando meio assim ultimamente, de braço dado com a tristeza, enamorado dela, mas pensando numa possibilidade de fugir do altar.
Dona Tristeza que fique solteira!
Meu médico falou em depressão. Recusei o diagnóstico.
Depressão é coisa de bacana. Ando triste. E pronto.
E não adianta culpar a descoberta de que Obama não é Superman, que os impostos aumentaram e as benesses escassearam, que o verão foi um arremedo ou que ganhamos mais uma nova ruga e acumulamos outros fios brancos entre os cabelos que restaram.
Não tem jeito.
Às vezes penso que nascemos com esse gen da dor, e que passamos a vida inteira tentando dar-lhe um nó.
Inventamos paixões, as transmutamos em amor, fazemos filhos, depositamos neles a esperanças de que sejam tudo aquilo que jamais seremos, devoramos livros, viajamos pelo mundo, pregamos diplomas na parede, nos empanturramos de lagosta e vinho.
Quando não dá para tanto, mastigamos couve e arrotamos caviar.
Tudo para driblar o gen da dor. Nem sempre conseguimos, obviamente.
Quem não tem o suficiente para pagar o analista – ou não acredita nisto -, tenta arranjar uma comadre.
Conversar faz bem, eu sei. Mas anda cada vez mais difícil encontrar alguém que nos escute mais do que tenha para dizer.
Hoje em dia todo mundo tem tanto a dizer... E nem tudo nos faz sentido.
Terei me tornado egoístas demais?
Na falta de grana pro analista ou de uma comadre para chorar em seu colo, dei de falar sozinho ultimamente. Mas nem eu mesmo tenho tido paciência para tantas lamentações.
Religião, não. Obrigado.
Deus deve estar com a agenda cheia. E a fila é enorme.
E, pegar fila é outra coisa que deprime qualquer cristão. Mesmo cristãos não tão cristãos assim, como esse do dedinho machucado que batuca no teclado deste computador.
Reaprendo na marra, a ‘catilografar’ com o dedo indicador.
E assim termino mais um texto.
E assim eu venço mais um dia.
Pode ser que amanhã já não doa tanto.
Pode ser até que já não doa mais.
*
20 comments:
Olá ...
Assim ,mesmo tem dias que me doem todos os dedos não só o dedinho...
Sempre acreditei na primícia de que "ser" humano é sinônimo de ser dor...
Se fosse bicho eu mordia,quando ferida...
Na condição minha condição de humana eu vivo minha dor!
Tantas...
Espero que em ti doa menos,cada vez mais ,seja lá qual for a dor.
Bjks sabor "beijin di mãe" cura tudo...rs
ontem, no mucuripe, um sujeito veio me trazer uns santinhos e penduricalhos religiosos, aí olhou bem pra minha cara e arrematou: melhor, não, dá pra ver na sua cara que é herege. pode? rsrsrs
olha, ando tão tristonha que sinto essa canção me escorrer pelos dedos e quase não consigo ler...
abraço, viu.
Olá, tudo bem? Gostei muito do espaço. Parabéns!
=)
Um abraço,
Geraldo.
sunflower,
esse instinto de canibalismo de auto-flagelo às vezes nos acomete, sim.
mas sempre temos o dia de amanhã. e temos que ser persistentes, creio eu.
o melhor foi feito no futuro, quero crer.
obrigado pela visita.
abraço grande do
roberto.
nina,
estive aí na terra do sol algumas vezes. tenho grandes amigos cearenses e ainda quero voltar à cidade num futuro não muito distante. lembro-me que na última vez que estive aí, com uns amigos americanos, uma cigana pediu pra ler a minha mão na praia e eu sartei de banda.
como diria aquele velho escriba, não acredito em bruxas, mas que elas existem...rs
não costumo me dar bem com esses religiosos ambulantes, não...
a canção daqui do blog: celso fonseca é barra pesada. gosto da música dele. e ele tem um lance meio bossa nova muito legal. antes, era guitarrista da banda de gilberto gil.
desintristeça-se, nina. a vida é só dois dias e amanhã já é segunda-feira.
se eu tivesse um talento do tamanho do céu, nada me tiraria do prumo.
abração do
roberto.
geraldo,
seja bem vindo ao meu grupo de amigos.
tem uma turma bacana que frequenta aqui e esse cordão tem crescido, crescido... crescido...
com você entre nós, tudo fica melhor.
abração do
roberto.
Boa noite, amigão, depressão ou tristeza? Ou t nenhuma delas, talvez a percepção doída de uma falta, ou a constatação de que o bonde ou a maria-fumaça passaram, agora é o trem-bala, o foguete para as galáxias, tudo tão irremediavelmente rápido, que nem dá pra sentir, ou pensar.
Ou talvez, ainda, a pura existência dos sensíveis, dos que escrevem, dos que enxergam a vida com os pés no presente, e os olhos no que se foi. Sensíveis, apenas isso, e como isso dói. Então, meu velho, essa dor não é só tua não, e nem tome isso como conselho, mas como constatação, e agradeça, e muito, pois tua dor se expressa em palavras maravilhosas. E atrai amigos. Tua crônica é belíssima.
Um abraço.
Pensei em várias coisas pra te dizer, pensei em vários autores pra citar. Vou optar por uma linha, atravessada de silêncios (só porque me sinto assim, como você):
...
fernando,
nem depressão nem tristeza.
apenas cansaço, quero crer.
mas fico feliz com sua presença aqui, fernando.
você sempre me traz um belo azul.
vê se não some.
abração,
roberto.
mandou bem, J! mandou bem...
noutro dia (faz um tempinho, aliás), um amigo bem estabelecido da MPB amarrou um pilequinho na minha péssima companhia. e, la no meio da nossa epopéia ele me começa a chorar.
fiquei na minha.
aí ele se vira e me pergunta:
- roberto, sabe porque eu choro?
respondia que não sabia.
e ele:
- choro porque não sou um tijolo. um vergalhão de aço ou um poste.
e eu entendi tudinho.
beijão, J.
Sabias que ha poemas para os dias tristes ?
" Hoje roubei todas as rosas dos jardins
e cheguei ao pé de ti de mãos vazias "
Eugénio de Andrade
Beijo
Roberto, penso que a existência proporciona tão poucos momentos de felicidade que temos de aproveitar ao máximo quando surgem. Ah, todos nós temos nossos bodes. A vida é essa gangorra que nos tira do prumo. Esse banzo não é primazia sua. É de todos nós. Força! Amanhã melhora. Você verá. Forte abraço, meu amigo.
oh, e se amanhã doer, eu sopro, eu abano - e tua comadre aqui tem colo macio!
carlos roberto (ói que nome) - um conhecido lá do araguari das infâncias, fala que a felicidade é burra - se estivesses pra lá de alegre, quem ia escrever estas lindas crônicas? quem??? quem????
besossssssssss
ah, outra cousa - com esses pés de curupira, mesmo quando parto não te dou as costas... arrá!!!
besos
lírica,
os amigos veradeiros jamais dão as costas uns aos outros.
amigos não apunhalam pelas costas.
amigos.
cê sabe que eu te adoro.
você é aquela amiga que eu não conhecia.
beijão,
roberto.
Paulo poeta,
nascemos com essa propensão.
mas driblamos.
somos garrinchas.
somos um desatino. um frenesi humano.
beijãio, poeta.
R.
magnólia,
eugénio é um de meus poetas favoritos.
adoro ele.
obrigado pelo presente.
e pela presença.
beijão do
roberto.
Que bom te encontrar! Estou aqui refletindo: olha só o que eu estava perdendo...
... de braço dado com a tristeza...Que lindo!
Virei sempre aqui...
Um abraço agradecido
"Mas anda cada vez mais difícil encontrar alguém que nos escute mais do que tenha para dizer." essa de o homem querer ter duas bocas e um ouvido ainda vai levá-lo à necessidade de ouvir pelos cotovelos...
Ai, eu senti, juro que senti.
Juntei a minha dor a do eu-lírico, e agora?
De qualquer forma, ler-te me traz alento.
Beijo.
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