Monday, April 12, 2010

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Dois Poemas de António Franco Alexandre

agora estou na beira do penhasco e não vou voar
como o sublime bicho estratosférico brilhante
de plumas esmeraldas tentativos braços
apenas eu baço de nenhuma asa debruçado
sobre o vidro de água e em baixo
os corredores, dispostos à partida
em músculos compactos, e deles o mais jovem (vestido

de improváveis azagaias) exclama: é esta
a fonte do trovão!, e aponta
um buraco azul mudo nas paredes da pedra. por fora
de mim regresso ao som silencioso da cidade
onde todos os rostos são o papel com linhas de inventário
e as patas dos homens pousam na larga secretária
e ficam, em relevo, caminhando no sangue. e eu queria
para ti, uma cidade sem mistério,

o gelo transparente onde mergulha a imagem
dos corredores, lançados no velocíssimo sossego sem repouso
das palavras trocadas, das bocas e dos braços misturados
pela luz, que é uma areia movediça,
este saber de nós sem ócio e sem negócio, iguais
às portas do trovão, onde o mais sábio
se lança nu compacto deus do fogo e ri



***

Nesta última tarde em que respiro
A justa luz que nasce das palavras
E no largo horizonte se dissipa
Quantos segredos únicos, precisos,
E que altiva promessa fica ardendo
Na ausência interminável do teu rosto.
Pois não posso dizer sequer que te amei nunca
Senão em cada gesto e pensamento
E dentro destes vagos vãos poemas;
E já todos me ensinam em linguagem simples
Que somos mera fábula, obscuramente
Inventada na rima de um qualquer
Cantor sem voz batendo no teclado;
Desta falta de tempo, sorte, e jeito,
Se faz noutro futuro o nosso encontro.



António Franco Alexandre
In Uma fábula
Assírio & Alvim, Editores


A Música Que Toca Sem Parar:
Celso Fonseca
O Tempo Não Passou
Melodia de Celso Fonseca, palavras de Ronaldo Bastos

8 comments:

Meg said...

PP,
Parabéns por mostrares aqui um dos mais brilhantes poetas portugueses, contemporâneos.
Para quem gosta de poesia, está provado que não existem oceanos pelo meio.
Bem hajas.

Um abraço

ana p said...

Outro dos nossos belos poetas...
Bj Roberto

Jorge Pimenta said...

"E já todos me ensinam em linguagem simples
Que somos mera fábula, obscuramente
Inventada na rima de um qualquer
Cantor sem voz batendo no teclado;"

a trivialidade da existência não pode ser um desígnio ou uma inevitabilidade; apenas uma etapa que, como todas, há-de perder-se no apeadeiro onde quimámos a dor em baforadas perdidas a céu aberto. E a viagem prosseguirá...

Abraço, Amigo Roberto, terminal ferroviário de tantas das minhas viagens!

Primeira Pessoa said...

meg,
se existe um oceano entre brasileiros e portugueses, a palavra que nos une serve de ponte.

abração do
roberto.

Primeira Pessoa said...

estou aprendendo, magnólia.
estou aprendendo...

fico feliz por sua visita.

Primeira Pessoa said...

jorge,
o que mais gosto deste processeo de fazer o blog é a interação com meus amigos, uns de muito tempo, outros recém-chegados.
melhor que os poemas e canções que garimpo ou as cônicas rasas que produzo, são os comentários inspirados, reflexivos, como este seu.

e minha admiração e carinho só fazem crescer.

Abração, poeta de Braga!

R.

Gisele Freire said...

...gostei do poema viu e ta lindo aqui!
Gi

Primeira Pessoa said...

Gisele,
bom te ver por aqui.
Aliás, gentil, como sempre.
Abração do
R.