Só mia quando eu respiro
Não consigo curar uma bronquite que me persegue há aproximadamente oito anos. Ela vem e vai, geralmente nos meses de maio e outubro e retorna, todo janeiro, esquecendo-se de que costumo estar de férias neste período, comprometendo o que deveria ser apenas total descompromisso e ameno desfrutar.
Este ano a bendita parece ter vindo pra ficar. Veio mais robusta, mais chata, mais inconveniente!
Chegou antes, no final de setembro, e me transformou numa companhia, no mínimo, incômoda.
Tenho tossido os brônquios, os bofes, e um pedaço da alma também.
Já troquei de atitude, de medicamento, de médico, mas há mais de dois meses me arrasto por aí. E isto tudo, sem falar do “gato” preso dentro do peito, felino invisível que produz um desagradável “miado”.
Mas ele só mia, quando eu respiro...
No último final de semana, a bronquite fez pacto com uma gripe e juntas me nocautearam. Dois contra um é covardia.
Foi uma gripe daquelas que desmontam o vivente.
Cama, febre, muita tosse e a incontida vontade de voltar à infância, buscando refúgio no colo da mãe.
Poucas coisas combinam tanto quanto gripe e colo de mãe. E canja de galinha. E um animal de estimação por perto, que pode ser um cãozinho vira-lata, daqueles que se deitam ao pé da cama e lambem a mão da gente.
Quando eu era menino, confesso, gostava de ficar dodói.
Ganhava mimos, cafunés e a atenção absoluta de Dona Rute.
- Este menino não está comendo direito.
- Chega a estar com olheiras, coitadinho.
E lá vinha o termômetro, o chá de laranjeira, a canja, os bolinhos de chuva, os abraços mornos e tudo de bom. Tem hora que dá vontade de entrar no túnel tempo e parar ali naquele ponto da infância, bem antes do primeiro cigarro.
Falando em primeiro cigarro, fumei a vida inteira. Parei faz pouquinho.
Comecei menino ainda, com cigarros feitos de papel, partindo depois para o Continental sem filtro, conhecido mata-rato daqueles felizes idos. Quando comecei a ganhar um dinheirinho, aderi ao Hollywood, cuja propaganda mostrava carros velozes, barcos esportivos e muita gente bonita. “Ao sucesso”, dizia o reclame na televisão.
Nestes dias do politicamente correto, devem ter mudado o anúncio para algo do tipo:
Hollywood: à bronquite!
À enfisema!
Ou, ao câncer.
É que, nos últimos tempos, o Ministério da Saúde do Brasil obrigou a indústria do tabaco a publicar em seus maços os perigos e conseqüências que o fumo traz.
E, como se não bastasse anunciar que o Ministério da Saúde Adverte que Fumar é prejudicial à Saúde, resolveram estampar fotografias absolutamente chocantes, de pessoas esquálidas no leito da morte, bocas irrecuperavelmente estragadas, e muito mais.
E o Ministério da Saúde Adverte ainda que fumar causa câncer no pulmão; Fumar causa mau hálito, perda dos dentes e câncer de boca; Fumar causa impotência sexual; Crianças que convivem com fumantes têm mais asma, pneumonia, sinusite e alergia; Nicotina é droga e causa dependência; Quem fuma não tem fôlego para nada; Fumar na gravidez prejudica o bebê; Fumar causa infarto do coração. E muito mais.
Em minha última ida ao Brasil, vi um sujeito, que perde os pulmões mas não perde a piada, devolvendo ao garçon o maço de cigarros, ao ver que nele havia a advertência de que fumar causa impotência sexual.
- Pode trocar por um que dá câncer, que não tem problema.
E o garçon foi lá e trocou.
***
A Música Que Toca Sem Parar:
Oração ao Tempo, de Caetano Veloso, na voz maranhense de Rita Ribeiro.
34 comments:
Ah, fiquei aqui pensando na doença e no colo, na febre e no afago, no sentido profundo que os "dodóis" podem ter, o que querem dizer, por que vêm...enfim, e o colinho materno poderia ser o pedido secreto da bronquite? E o colo materno pode ser a mãe, a pátria, a cidadezinha onde nascemos, enfim - "viajei" aqui... rsrs
de humano, só há em mim a morte por asma.
adorei. e que foto linda :)
beijos.
homem tem menos resistência a dor. ja imaginou se homem parisse? homem de tpm?
ja imaginou, tania?
o mundo ja teria explodido.
nina,
dizem que se eu parar de fumar, vou melhorar.
a propósito da foto, eu e um amigo falávamos no último sábado sobre Desperate Hours e no remake capenga, com mickey rourke.
adoro esta foto.
bom te ver por aqui.
Curiosamente, estava conversando hoje sobre os privilégios (mais do que justos!) dos convalescentes. Só podem deixar saudades, por paradoxal que pareça (Thomas Mann deve explicar isso filosoficamente, rs.)
Quanto ao cigarro, humm... Acompanhei muitas vezes um ente muito querido em tratamento no INCA. Infelizmente as imagens que vi ali não podiam ser trocadas. E, no entanto, ainda fumo! (Thomas Mann deve explicar isso também ). Acendo um remorso em cada cigarro. Por que não paro?
Abraço.
menino, tuas belíssimas escolhas foram elenizadas. que é bom te t/ler por lá também.
um beijo.
Toca a curar isso depressinha, porque há um churrasco com livros e poemas à espera :)
Hoje falei com a Ana Salomé; passei-lhe o link do blogue. Sei que passou lá e ficou embaraçada com a deferência. É fantástica: grande no talento e na modéstia.
Um abraço e as melhoras, Robertílimo! :)
jorgíssimo,
que bom que falou pra ana salomé do poema dela aqui no PP.
aliás, ela fez tremendo sucesso.
esta cronica é velha, jorge.
to ha mais de dois meses sem parir nada de jeito.
churrasco com livros?
só faltou a birita.
cerveja. vinho. caipirinha.
apeteceu-me...rs
abração do
roberto.
nina, você, muito generosa... sempre... qualquer dia destes faço uma sessão nina rizzi, espoente da nova poesia brasileira...
vai ser um sucesso! rs
aliás, voc6e já é um.
abraço e admiração do
roberto.
marcantônio,
no nosso tempo, deixaremos o cigarro...rs... e o remorso...
thomas mann é uma das maiores frustrações da minha vida. comecei a ler A Montanha Magica mais de dez vezes. e, toda vez, antes do trem chegar ao sanatório, eu "apeio".
pink floyd explica.
bom mesmo é te ler aqui ou no seu blog.
abração do
roberto.
Quem sabe sabe...e até sobre doença sai uma bela cronica...
Ah... e quero ser convidada pra esse "churrasco de poemas" que andas combinando com o jorge :)
Beijo
Roberto, você me convence, claro. Só de imaginar um homem de TPM, já avanço na cena e o que vejo é só escombros...rsrs Parindo então, meu deus - um grito agudo abrindo o mundo em duas bandas. Têm que ser mais sensíveis mesmo, justificado rsrs.
Abraços,
Tânia
Roberto, já viste como o círculo se alarga? Temos de arranjar mais picanha e vinho, Amigão. Sê bem-vinda, Magnólia! :)
Um abraço a ambos!
Roberto, não sou fumante inveterado, mas, ali e acolá, gosto de degustar cigarrilhas e um bom puro da ilha, metido que sou, para parecer com Brecht ou Cascudo. (rs).
Ao ler seu artigo me deu vontade de "rebolar" as últimas cigarrilhas de uma caixa no "mato", como se diz no interior do Nordeste.
Amigo velho, se não for incômodo, me mande a canção do Pedrinho Mendes na voz do Renato Braz. Terei prazer em ouvir.
Cuide-se e nada de cigarros. (rs).
Aquele abraço, mermão.
Salve, Roberto.
Descobri seu blog no blog cosmunicando e gostei muito de sua escrita. S ua crônica segue um contexto cotidiano, pertinente e atual com uma dose de saudosismo. Parabéns Gostaria de convidá-lo a visitar meu blog http://emaranhadorufiniano.blogspot.com e http://po-de-poesia.blogspot.com
Seus comentários seriam muito bem vindos. Abrçs!!!
Estou te seguindo.
o circulo se alarga e a corrente espicha.
jorge, essa corrente ja atravessou o atlântico.
eles que fiquem atentos a nós.
daqui a pouco daremos uma volta ao mundo...rs
paulo poeta,
vou te mandar a cantiga. mando amanhã, do jornal.
ja fumei charuto. era viaciadim...rs
aliás, sou muito propenso a vícios...
e seu conselho chegou tarde. prometo me lembrar de suas palavras amanhã.
tentarei não te desapontar.
abração, poeta!
marcio,
passarei no seu blog, sim. e terei o maior prazer de deixar lá dois dedinhos de prosa.
bem vindo a este minufundio de quimeras.
abração do
roberto.
Show!
Suas crônicas são imbatíveis!
"Só mia quando eu respiro" é mais do que espetacular. Fazer humor com um tema assim, não é fácil!
Adorei!
Um abraço
zélia,
seus elogios, estes sim, são incomparáveis.
fico com vontade de escrever um tantão de crônicas, só pra ganhar afagos seus.
beijão procê.
do
r.
Ô Roberto, bom mesmo é ler as suas crônicas e aprender com os seus comentários. Essa do Mann foi impagável. Sensacional!
Abração.
marcantônio,
o blog é meia-boca (na melhor das hipóteses, 3/4 de boca...rs), mas a interação é de primeira.
eu tava comentando esse lance da "montanha magica" com o kledir, no outro dia. ele tava contando algo da montanha magica, sacaneando exatamente a grossura do vulume (ou seria o voluma da grossura? rs)...
nem ele entendeu minha frustração. e ela é real.
acho que vou aprender a tocar saxofone antes mesmo de ler a montanha magica...rs
viver faz mal a saúde: no final todo mundo morre.
texto, como sempre, muito bom.
abraço.
ryan, como diria guimarães rosa, "viver é muito perigoso"...rs
abração do
roberto.
A gente tem uma vida só e acredito que quando é hora de morrer, não tem o que dê jeito. Se for pra morrer de câncer, você não precisa ter colocado um cigarro na boca durante toda a vida. Se for pra morrer de acidente de carro, você não precisa nunca ter dirigido um. E a vida é curta pra gente não fazer o que gosta. Ainda ontem eu era essa criança que gosta de ficar doente porque recebe atenção. Hoje eu sou essa adulta que tem contas a pagar e não pode se dar ao luxo de desabar na frente de alguém. Porque temos de ser fortes. Quem disse isso? Eu queria ter a inocência, a ausência de medo das crianças. Eu queria ter, delas, o sorriso sincero e as palavras honestas. E o colo de mãe, claro!
Beijo.
Em tempo:
_ Fumar é um suicídio lento!
_ Tudo bem, eu não tenho pressa!
(Vou fazer um acordo com você: Se o galo passar daqueles moleques do Santos a bandeira alvinegra continua hasteada, senão ela sai...rs)
Líria disse que você é cruzeirense da melhor qualidade! Só por causa dela viu? rs
Abração!
Venho num dilema há anos, ou paro de beber ou paro de fumar. Na dúvida continuo fazendo os dois, mas não trago e evito os destilados, até a sexta, depois... Abração
assis,
eu continuo fumando e tragando. e não é de hoje.
e continuo bebendo. de segunda a segunda.
e não é de hoje.
lembrei-me daquela máxima de que mais vale um bebum conhecido do que um alcóolatra anônimo.
sem a menor culpa.rs
abração do
roberto.
menininhos chatos, aqueles da vila belmiro, né?
aceito, de bom grado, a sua proposta. mas se cê não cumprir o combinado, fouad, eu boto a tropa na rua. rs
abração celestino do
roberto.
J,
concordo e discordo...
mais concordo que discordo.
ainda não conheci ninguém que tenha ludibriado a morte.
mas tem certos dias que olho por cima dos ombros e vejo a silhueta e a foice.
e desando a correr.
beijão de terça-feira.
r.
Oi, Roberto! Cheguei aqui trazida pelo site do Jorge, o poeta. E estou adorando!!
Ah! E quanto ao gato que mia quando tu respiras...relaxa, faz um afago que ele se rende. (até porque, tá me parecendo que isso vai ser uma convivência longa... ;)
abraços
é, andrea, mas ouvi dizer que se eu parar de fumar o gato vai ficar mais "aquietado". rs
bem vinda ao blog!
É, Roberto, eu não consegui para ainda, e para me sentir menos culpado sempre corto o cigarro pela metade para fumar menos, assim fica a compulsão, e o mal vem pela metade, rs.... mas o bolso, bom, isto já é outra estória. Melhor parar de fumar mesmo, rs....Abração, muito obrigado, meu irmão, pela presença lá em meu blog.
ferfando,
ja tentei esta tática.
aí acabo dobrando a dosagem.
mas vou parar de fumar...
e isto tudo me fez lembrar de uma estória em que um caboclo que passou parte de sua vida tentando parar e mandou escrever em sua lápide, pra quando partisse desta para uma não necessariamente melhor:
- João parou de fumar!
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