Tuesday, February 2, 2010

A Música Que Toca Sem Parar

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Vida Sertaneja
(Patativa do Assaré)

Sou matuto sertanejo,
Daquele matuto pobre
Que não tem gado nem queijo
Nem oro, prata, nem cobre
Sou sertanejo rocêro,
Eu trabalho o dia intero,
Que seja inverno ou verão
Minhas mão é calejada,
Minha péia é bronzeada
Da quintura do sertão

Por força da natureza,
Sou poeta nordestino,
Porém só canto a pobreza
Do meu mundo pequenino
Eu não sei cantá as gulora,
Também não canto as vitora
Dos herói com seus brazão,
Nem o má com suas água...
Só sei cantá minhas mágua
E as mágua de meus irmão

Canto a vida desta gente
Que trabaia inté morrê
Sirrindo, alegre e contente,
Sem dá fé do padece,
Desta gente sem leitura,
Que, mesmo na desventura,
Se sente alegre e feliz,
Sem nada sabê na terra,
Sem sabê se existe guerra
De país contra país

Cabôco que não cúbica
Riqueza nem posição
E nem aceita a maliça
Morá no seu coração
Cabôco que, nesta vida,
Além da sua comida,
O que mais estima e qué,
É a paz, a honra e o brio,
O carinho de seus fio,
E a bondade da muié

E assim, na sua paleja,
Com a famia que tem,
Não inveja nem deseja
O gozo de ninguém
Mas, por infelicidade
Contra seu gosto e vontade,
Munta vez, o pobre vê
A muié morrê de parto,
Gemendo dentro de um quarto,
Sem ninguém lhe socorrê

Morre aquela criatura,
Depois, a pobre coitada,
No rumo da sepultura,
Vai numa rede imbruida
Um adjunto de gente
Uns atrás, ôtros na frente
Num apressado rojão,
Quando um sorta, o ôtro pega:
É assim que se carrega
Morto pobre, no sertão
Fica, o viúvo, coitado!
De arma triste e dilurida,
Para sempre separado
Do mió de sua vida,
Mas, porém, não percebeu
Que a sua muié morreu,
Só por fartá um dotô
E, como nada conhece,
Diz, rezando a sua prece:
Foi Deus que ditirminou!

Pensando assim desta forma,
Resignado, padece;
Paciente, se conforma
Com as coisa que acontece
Coitado! Ignora tudo,
Pois ele não tem estudo,
Também não tem assistença
E por nada conhecê
Em tudo o camponês vê
O dedo da providença


A música que toca sem parar vem na voz de um poeta popular cearense.
Antônio Gonçalves da Silva, mais conhecido como Patativa do Assaré (Assaré, Ceará, 5 de março de 1909 — 8 de julho de 2002), foi um poeta popular, compositor, cantor e improvisador brasileiro.
Na simplicidade, reside a sua genialidade.
Sou fã.
Ao fundo, o violão de Cirino.

9 comments:

nina rizzi said...

é assim que cheira o meu ceará.

sim, viu na postagem de segunda (ontem), o poema do portinari? depois coloco outros.

beijos.

Anonymous said...

Eu, como amante dos folhetos de cordel, da poesia popular, também não poderia deixar de admirar essa grande figura.

Bem ressaltado, Roberto.

Beijos!

Júlio Castellain said...

...
Tudo de bom.
Abraços.
...

Lídia Borges said...

Uma forma de contar estórias muito agradável e sempre interessante.

L.B.

gentil carioca said...

Impressionante como a poesia brota dos mais áridos solos, não é mesmo?

líria porto said...

um dia vi um documentário sobre patativa do assaré - ô passarim cantadô!!!!

(estou esperando teu telefonema)

besos

Anonymous said...

Pouco conheço do Brasil, apenas aquilo que vemos na televisão ou o qu evamos procurando em livros, mas gostei imenso de ler este texto que aqui publica, pela simplicidade e pela honetidade que transmite.

Um dia de Sol para as terras onde se encontra.
Beijinhos

romério rômulo said...

roberto:
o patativa é gênio.
um abraço.
romério

Anonymous said...

Eu AMO o patativa!!! Que maravilha!
beijos pra ti querido