Monday, March 15, 2010

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Abraçando Roberto Drummond

Hoje dei um abraço em Roberto Drummond. Um abraço tímido, é verdade, mas ainda assim um abraço.
A silhueta insinuava movimento, mas ele estava em pé, parado, na pracinha em frente ao café onde nos encontrávamos sempre que eu vinha a BH.
Olhei para o rosto de bronze e me recordei muitíssimo bem: era assim que Roberto passeava todas as tardes pelas ruas da Savassi: ligeiro, passo cadenciado, quase um trote.
Para onde estará indo Roberto Drummond? – penso eu parado à sua frente, sem me importar com a cara incrédula dos transeuntes, pouco afeitos a abraços afetuosos entre dois homens.
Coloco a mão sobre seu ombro e ele nada diz.
Estará Roberto indo pra casa onde o aguardam esposa e filha?
Ou estará indo para a livraria da Travessa, onde passava quase todos os dias para um papo com leitores e, não raro, autografar livros.
Algum amigo o aguarda em um bar da Cristóvão Colombo?
Alguma musa o esperará fumando um cigarro de piteira?
Assistir a um treino de seu querido Atlético Mineiro, certamente, não deve ser sua intenção. Roberto desprezava tigres de papel.
O grande cronista de todos os atleticanos não deve andar muito feliz com a campanha do Galo, mas sei que torcerá, por toda a eternidade, contra o vento. Isto, mesmo quando a camisa alvinegra já não estiver mais pendurada no varal.
Pode ser que Roberto esteja indo ao Mercado Central.
Certamente pediria uma limonada de limão capeta antes do primeiro gole de cerveja.
No mercado ele encontrará tipos mineiríssimos, personagens que comporão, em algum momento, uma nova história de sua lavra.
Cumprimentará a todos com a cortesia de sempre. Estudará seus movimentos. Roubará pedaços inteiros de suas almas.
Irá ele escrever uma crônica de costumes?
Estará envolvido com as escrevinhações de algum novo romance?
Será que Hilda Furacão o aguarda para alguma inconfidência sobre Frei Malthus?
Ou estará indo para o apartamento secreto, onde o espera para confidências um certo DJ, recém chegado de Paris?
Será que o encontrarão o poeta Pablo Tierra e a implacável fofoqueira Tia Marocas, figuras constantes em suas histórias?
Será que em seu ouvido canta uma cotovia, aquela mesma cotovia que costumava lhe dar conselhos quando descia a Rua Rio Grande do Norte?
Entrará num táxi?
Viajará num trem?
De avião, certamente ele não irá, seja lá qual for o seu destino.
Roberto tinha aerofobia. E não sabia dirigir automóvel.
Certa vez ganhou um prêmio literário e deveria recebê-lo em Curitiba. Fez as contas, constatou que o dinheiro da premiação seria suficiente para pagar um táxi BH-Curitiba. Ida e volta.
E foi exatamente o que fez.
Foi, recebeu o prêmio, pagou o táxi, e se aquietou à sombra da Serra do Curral.
Mas hoje Roberto Drummond não tem nenhuma premiação para receber. No entanto, ele parece apressado, como sempre pareceu estar.
Pressa, para que? – pergunto eu.
Novo silêncio.
Converso com ele uma vez mais, mas ele não responde.
Diante de sua estátua nesta pracinha da Savassi, sou apenas um amigo saudoso.
E ele, lá de cima, deve estar, certamente, rindo muito de mim.

6 comments:

Paulo Jorge Dumaresq said...

Primor de crônica, Roberto.
Saboreei cada palavra, cada frase, cada período.
Drummond, o Roberto, foi/é um dos grandes dessa Minas abissal.
Você também joga no meu time de mineiros bons de prosa.
Ah, obrigado por citar o meu Rio Grande do Norte.
A cotovia que canta nas Gerais também dá conselhos nessa plaga papa-jerimum.
Abraços duplicados.
Inté.

Primeira Pessoa said...

paulo poeta,
roberto drummond viveu durante décadas num apartamento da rua rio grande do norte, lá em BH.
e, sim, roberto tinha a estranha mania de prosear com uma cotovia que ele jurava que lhe dava conselhos. rs
ele foi uma espécie de mentor pra mim. foi amigo, conselheiro, parceiro de mesa de bar e quimeras.
acompanhei a fazeção de seus derradeiros trabalhos em livro e ganhei, de presente, uma dedicatória em hilda furacão.

saudades dele, paulo poeta.

beijão procê.
R.

Jorge Pimenta said...

Contactaste, de verdade, com essa lenda imortal? Que privilégio, Amigo... Conheci-o de um modo diferente: vivo e ensinando a viver em páginas de tinta que jamais se esquecem.

Um abraço (igual ao que lhe deixaste).

Primeira Pessoa said...

Roberto Drummond (não o Carlos, posto que este eu não conheci) foi muito mais que um amigo.
Foi um mentor, uma pessoa que me ensinou muito deste ofício em que, tenho consciência, não fui o melhor pupilo.
Roberto Drummond era um personagem interessantíssimo, Jorge, usava calças vermelhas de brim e tênis all star num tempo em que os intelectuais brasileiros não viam com bons olhos esse visual pop contemporâneo.
gostava de futebol. de moda. essas coisas...

tomamos muitos porres juntos.
rimos muito. nos emocionamos na medida exata do nosso merecimento.

um ano e meio antes de sua morte, demos uma estremecida (nas grandes amizades isso também acontece).
mas ele tratou de resolver isto, três meses antes de partir, com um telefonema reiterando o que tínhamos.
combinamos um reencontro em belo horizonte para depois da copa do mundo (aquela disputada na Ásia) e ele morreria na véspera do jogo Brasil x Inglaterra (que teve um gol espírita de Ronaldinho Gaúcho).

Costumo dizer que, naquele gol, foi Roberto que empurrou a bola com a mão, criando ali uma curva impossível.


abração, poeta!

Anonymous said...

Li um livro dele e alguns textos separados. São bons mesmo. Mas já elegi meu cronista favorito: o redator simpático e sisudo deste blog que tanto gosto =).

Antes que vc ache que estou meramente puxando-saco de vc (o que tbm estou fazendo, claro), já até falei para o meu namorado que vc é meu cronista predileto, então não to falando da boca para fora, viu? hehe...

Beijo, Robertão!

Primeira Pessoa said...

Larinha,
fico extremamente lisonjeado pelas suas palavras, sempre tão gentís. você é uma pessoa muito generosa - já o disse - e só me resta agradecer pelo carinho, pelas palavras benfazejas que sempre registra aqui.

seu namorado certamente lhe disse pra escolher melhor os seus cronistas... rs

e eu, que de sisudo não tenho absolutamente nada, concordarei plenamente com ele.

mas deixo registrado meu apreço. afinal, não é todo dia (no meu caso, não é todo ano) que se é o cronista favorito de alguém.

beijão procê, do (todo envaidecido depois do seu post)

roberto.