Sunday, January 24, 2010

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Do Mercado Central de Beagá

Fui ao Mercado Central de Belo Horizonte comprar uma panela de pedra-sabão, que pretendia trazer para New Jersey com a finalidade de incrementar minha modesta moqueca de peixe.
- Mas isto é um trambolho, ponderou meu pai. - Você vai carregar um ‘esparrame' destes no avião?
Saí sorrindo, evitando mais uma polêmica entre pai e filho, ciente de que nosso relacionamento estava inaugurando uma nova era na minha não resposta.
Uma vez no destino, acabei não resistindo e comprando um montão de tralhas numa lojinha simpática, não me preocupando com o excesso de peso que a balança da companhia aérea certamente acusaria.
Comprei um pilão de socar alho em madeira de lei, que é um charme.
Adquiri, também, um bule de café, daqueles feitos de esmalte - muito usados nas casas da roça -, juntamente com seis simplórias canequinhas que darão um aspecto jeca-chique à minha modesta cozinha.
Para meu amigo Neném Corrêa, que ganha a vida erguendo casas por aqui, descolei um jogo de marmitas de alumínio, que será muito apreciado por ele, e motivo de gozação de seus pares.
Para Fábio Portugal pensei em trazer um urinol, à guisa da mais ingênua troça. Desisti, mas os vi lá, em diversos materiais: alumínio, esmalte, ou plástico duro, nas mais variadas cores, pendurados na entrada de um bequinho onde vendiam ainda artigos de umbanda e enfeites feitos de palha e cipó.
Para meu irmão Toninho, que curte velharias decorando a sala de sua casa, comprei um prosaico ferro à brasa, pesadíssimo, que certamente comprometeria minha cota de peso no avião.
E, só não comprei mais coisas, porque fui arrastado por um amigo boquiaberto, que se recusava acreditar que, além da caixa de latinhas de skol e cinco garrafas de cachaça de Salinas já adquiridas, eu falava em incorporar alguns espetos de churrasco em diversos tamanhos.
Queria, também, um cortador de feijão, uma forminha de alumínio apropriada para fazer misto-quente, e um tacho de cobre que seria usado no feitio de doce de leite.
Não fosse pela intervenção desta alma de bom senso, teria adquirido muito mais.
Ah, amigos, como eu gostaria de ter trazido para todos vocês, um pouco do muito existente naquela imensa vitrine de vida, que é o mercado central.
Queria trazer um cheiro de umas douradas carambolas, que vi na banca de uma barraca ao lado de caquis, jambos, pitangas e cajás.
Queria trazer a essência e o perfume de alguns abacaxis maduríssimos, frutas do conde, mexericas e mangas rosa e espada, exuberantes, que vi numa outra loja.
Sem me esquecer de encher uma sacola com jilós, maxixes, quiabos, batata doce, mandioca (enxutíssima!), agrião, taioba, mostarda e limões-capeta e galego.
Para temperar nossas vidas traria uma réstia de alho em forma de trança, um "molho" de coentro e pequenos feixes de alecrim e manjericão.
Numa barraca de aves, compraria uma galinha velha, e preferência do "pescoço pelado", que traria, na esperança de conseguir alguém que nos fizesse uma canja como aquelas da lavra de nossas mães.
Poderia trazer, ainda, uns ovos de codorna, que tomaria batido com cerveja preta da marca caracu, que também viria camuflada em algum lugar da mala.
E mais umas garrafas de raízes fortes: losna, carqueja, jurubeba e boldo.
Da floricultura eu traria umas hortênsias, umas "flores de visgo", uns copos-de-leite e algumas mudas de mal-me-quer.
Queijos, requeijões, carne-de-sol, linguicinha defumada e paio, que não poderiam ser esquecidos em minha lista.
Mas ficou tudo lá, e destas coisas tantas só posso dar a notícia.
Inclusive minha mala, extraviada pela companhia aérea, e que foi localizada, pela última vez, em algum lugar de minha saudade.

*

16 comments:

romério rômulo said...

roberto:
ontem, li o poema "as palavras", do octavio paz,
aqui.o disponibilizei no blog do nassif e comentei sobre você. hoje,ele deu o destaque.
se possível,dê uma passada por lá.
um abraço.
romério

John Doe said...

Muito bom, me arrancou risadas, boas risadas, num domingo nublado, e Deus sabe como eu estava precisando dessas risadas, por isso o meu muito obrigado, e pelo texto de primeira linha, você ganha aqui mais um seguidor e apreciador da sua arte.

líria porto said...

de tudo que gostas, só não me acostumei ao coentro - lá no triângulo (mineiro, claro - poderiam pensar algo apimentado) somos mais de salsas... (cheiro-verde - claro - que lá somos mais pra bolero que pra ritmos calientes...)

enfim, lá na b... do araguari os hábitos variam um cadim!

panela de pedra é o que há!!!!

domingo quase findo, besos!

TEREZA FREIRE said...

Roberto,
À começar pela panela de pedra-sabão ao mais indispensável ingrediente de uma bela feijoada, o paio, o peso de sua bagagem jamais poderia ser medido por balanças. Sua saudade pesada que o diga. São as melhores coisas da vida, essas tralhas encontradas em mercados públicos que traduzem parte de nossa história. Costumo dizer que não se conhece os costumes e cultura de qualquer lugar, se um mercado local não for visitado. Essas "prosaicas velharias" de Toninho, seu irmão, são valorosos objetos, alvos da cobiça de qualquer bom designer de interiores e/ou arquiteto. Personificam e dão charme à qualquer ambiente. Tem coisa mais bonita que belas recordações?
! Já experimentou fazer moqueca de peixe ou feijoada em panela de barro?! Uma delícia! Costume nordestino... coisas com gosto de infância! Beijos.

Paulo Jorge Dumaresq said...

Roberto, pra levar essa bodega ambulante pra New Jersey seria preciso fretar um jatinho. Viajei na sua viagem. Essa panela de pedra-sabão deve ser o máximo. Grande semana e ótimas crônicas. Abração.

Lorena Lima said...

Muito bom seu blog, estou seguindo-o!
Caso goste do meu também, fique a vontade pra seguí-lo também.

http://loreniitaahh.blogspot.com/

Um abração carioca,

LL

Primeira Pessoa said...

romério,
passei no blog do nassif (muito legal) e vi a sua citação.
aí lembrei-me de uma cantoria (um sarau, segundo o guarabyra) na casa do nassif, em que o guarabyra e o renato braz cantaram. acho que foi o guarabyra que me ligou no outro dia, contando que foi muito bom... e postei essa lembrança, lá pro seu amigo.
e ele respondeu, simpático. gostei.
fiquei feliz.

e feliz to agora, respondendo seu post.
abração do
R.

Primeira Pessoa said...

john, fico feliz que tenha gostado.
sua presença por aqui fez o meu dia melhor.
bem melhor.
aliás, muito frio e chuva nesse lugar plúmbeo que chamam de estado-jardim.
venha sempre.
daqui a pouco dou uma passada no seu blog pra te ler um bocado.

abração do
roberto.

Primeira Pessoa said...

lírica,
coentro não é muito minha praia. rs
gosto de funcho, manjericão, tomilho, hortelá, sálvia...rs

mas reconheço que alguns pratos ganham uma identidade nova com o coentro.

de vez em quando, não deve fazer mal...rs

beijão,
R.

Primeira Pessoa said...

teresa,
feijoada na panela de barro eu nunca fiz. quando faço feijoada por aqui, faço pra um batalhão e ainda não consegui trazer um panelão desses pra cá.
mas tenho de pedra, tenho telhas pr asssar peixe... essas cousas... gosto muito de cozinhar... que pra mim é uma terapia.
e, sim, ja fiz peixe em panela de barro.
fica bom.
muito bom.
(ou meus convidados mentem pra mim)

abração do
R.

Primeira Pessoa said...

paulo poeta,
quando voceê for a BH passe no mercado central e descola uma.
a panela é feita do mesmo material, da mesma pedra (pedra-sabão), que Aleijadinho fazia seus santos.
você vai gostar.

abração do
roberto.

Primeira Pessoa said...

lorena,
passarei no seu blog.
deixa comigo.

fiquei honrado com a sua presença entre os meus.
abração do
roberto.

líria porto said...

na primeira panela de pedra descobri o que é realmente "curtir" - demoooooooooooraaaaaa... a paciência compensa o resultado, pois as comidas ficam ótimas! ah... além de manter o calor, as panelas de pedra são fáceis de lavar.

besos

Primeira Pessoa said...

lírica,
só pra aquecer essa cuja dita, num fogão de lenha, cê gasta uma tora.
o único lance ruim, que acho é que a comida continua cozinhando depois de pronta.

beijão desse aprendiz de cozinheiro
roberto.

Anonymous said...

Roberto:
uma vez mais uma crónica que nos deixa que pensar. Gosto imenso delas, são crónicas inteligentes, escritas com muita inteligencia, e certas!!!!
Espero qu eencontre uma mala grande o suficiente, mas desconfio que deve ser dificil.
Beijos

Fernando Campanella said...

Eta mercadão central de nossas vidas, puxa, quanta coisa a memória vai desfiando. Dias desses, como vc viu no meu blog, me chegou a palavra 'bagageiro' que há muito, muito, não ouvia. São coisas assim de Minas. Serão de outros lugares? Acredito que sim. Mas acho que somos muito saudosistas, ah, deve ser coisa de mineiro isso.

Rapaz, consegui colocar a música lá, pesquisei em um site e alguém respondeu minha pergunta. Mas gostaria de pesquisar outro sites pra variar a opção das músicas. Por enquanto estou só com a opção da Goear. Ah, fiquei feliz hoje , sabe, comprei uma câmera mais profissional um pouco, mas não ainda as SLRs. Vai chegar dentro de alguns dias, mas tá me dando um medo, rapaz, ele é mais pesada e toda imponente, rs.... Esse medinho, esse friozinho na barriga deve ser coisas de mineiro, tb, rs...mas vamos enfrentar legal. Grande abraço.