Thursday, January 14, 2010

Meu Superman
















O filósofo alemão Friedrich Nietzsche explica os passos através dos quais o Homem pode tornar um 'Super-Homem' em Assim Falou Zaratustra.
Mais adiante na história, os estudantes norte-americanos Jerry Siegel e Joe Shuster criaram o Superman, personagem das revistas de quadrinhos, que posteriormente ganharia as telas na pele de Christopher Reeve.
Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, eu sei.
O Superman de Christopher Reeve acabou se tornando um dos maiores fenômenos do cinema em todos os tempos.
A suposta origem dos poderes do Superman é o Sol amarelo da Terra.
Em Krypton o astro é vermelho, e essa diferença de freqüência eletromagnética entre ambos os astros faria com que, de alguma forma, as células do corpo de Kal-El fossem "carregadas" como verdadeiras baterias vivas.
Descobri isto, sem tirar nem por, na Internet.
O homem de aço voava, atravessava estruturas, conseguia evitar o tombamento de um edifício, desentortava uma ponte de ferro, prendia bandidos com bravura e charme.
Seu corpo era impenetrável às balas e à inveja.
Quando não estava salvando a humanidade de inescrupulosos bandidos, era um esforçado repórter do jornal Planeta Diário.
Ironia do destino, o ator que deu a vida ao super-herói no cinema teve um fim trágico.
Amante da equitação, caiu de um cavalo num momento de lazer, ficando paralisado numa cadeira de rodas.
Seus últimos dias foram marcados pelo sofrimento.
Minha idéia de super-homem é diferente.
Em sua certidão de nascimento não consta Krypton, mas Mutum, um vilarejo remoto no Leste de Minas.
Meu super-homem trabalhou na roça até ser grande o suficiente para tentar a sorte na cidade grande.
Não se sentou num banco de escola, porque desde menino, ao invés de um lápis, empunhou uma enxada.
Ele plantou café, feijão, milho, hortaliças e cuidou da criação, amansou cavalos.
Ele, que calçou um par de sapatos pela primeira-vez aos 17 anos.
Ele, que na cidade grande, trabalhou em troca de comida e pelo direito de dormir num cubículo no fundo de um quintal.
Sua gratidão pela acolhida foi tamanha, que todos os seus filhos tiveram o nome do homem que o abrigou em sua chegada à civilização.
Conseguiu se alistar na polícia militar de Minas Gerais enxergando ali uma possibilidade única de sobrevir e criar a família.
Seu uniforme, de cor cáqui e sem nenhuma divisa nos braços, em nada se assemelhou à malha azul e vermelha dos grande herói dos quadrinhos e das telas.
Ele, que não possuía capa que lhe permitisse vôos mais altos e tinha passos miúdos, mas firmes.
Caminhou miúdo, chegou longe.
Ele, que casou e teve filhos, todos eles Carlos.
Ele, o meu pai.
Sua figura indestrutível tem sido pra mim, desde a mais tenra infância, um referencial e uma fortaleza.
Graças a ele, andei e ando de cabeça levantada pelas ruas de onde quer que meus pés pisem.
Sua honestidade era (e é!) um dos super-poderes.
A firmeza, a lealdade e a persistência eram (e são!) outros.
Hoje, meu super-homem vive momentos difíceis.
Aos 74 anos, ele trava agora uma das mais difíceis batalhas de sua vida.
Nenhum deles se chama Lex Luthor, Bizarro, Mongul, Metallo, Darkseid, Brainiac ou o Ultra-Humonóide, que foi o primeiro adversário do herói dos quadrinhos e das telas.
Seo Antônio, ou melhor, Seo Totoca, tem diante de si o desafio de nocautear um derrame cerebral que tem lhe deixado impossibilitado de caminhar e duplicou-lhe a visão.
E eu, como no tempo em que devorava com voracidade as aventuras de meu herói das revistas em quadrinhos, quero chegar ao final desta história com a sensação de que meu mito maior venceu seu inimigo.
Meu super-herói, meu superpai, tem em mim muito mais que um admirador, ele tem em mim um crente.
Meu coração e minhas preces estão com ele lá no Brasil, aqui, e em todo o lugar.
O bem vencerá.
Tenho fé.

*

22 comments:

Iara Maria Carvalho said...

Em cada canto de mundo, um superherói que nos salve.

Que a fé salve o seu superherói. O amor bem que salva.

Seu texto redimiu um pouco das minhas tristezas de filha.

E assim seguimos.

Abraço.

Primeira Pessoa said...

Iara,
isso aconteceu há dois anos.
e o bem venceu.
depois disto,já teve mais encrenca.
meu pai subiu em uma mangueira (pra mostrar pra um garoto como se "fazia certinho"... e despencou de lá...
como pr6emio, ganhou 8 pinos estabilizadores na coluna.
fora isto, tá bom como um coco...

suas palavras devem tê-lo feito se sentir alguns anos mais jovem... coqueiros, cuidem-se! rs

brigadão,

R.

líria porto said...

que lindo, seu moço!!!

meu pai era meio isso que descreves - trabalhador, severo, cumpridor dos compromissos - com ele aprendi a ser gente, a não temer...

besos

Primeira Pessoa said...

sabe, líria...
esse é um trem tão doido...
eu e meu pai nunca fomos "amigos". ele, militar, eu, militante...
nos últimos anos, mais entrado na vida, aprendi a lidar com as deficiências dele (e minhas também)...
hoje sou amigo dele e tenho a estranha sensação de que ele, sim, sempre foi meu amigo. mas eu custei muito a reconhecer isso.

de certo, desde sempre, essa minha admiração e respeito por ele. (nunca tive medo dele, apesar de sabê-lo valente, bravo, severo... nos moldes daquela antiga polícia mineira... sei que você sabe do que to falando)
um sujeito que chegaca do trabalho, todos os dias e beijava meu rosto.

é bem isso: meu pai é um grande cara. tem valores saudáveis, bons...
valores que espero, um dia, passar para minhas três filhas.

bom te ler.

ana p said...

Que bonito Roberto......
Beijo

Sueli Maia (Mai) said...

Você me emocionou. Esta declaração de amor tem a força de mais de mil criptonitas. Saúde ao seu Antônio e vida muita a este super heroi de verdade.

Primeira Pessoa said...

amor de pai e de mãe...
é bonito, sim, magnólia.
e amor de filho, também.

gentil carioca said...

Meu pai, já nos seus 88 anos, também é meu super herói. E igualmente honesto e igualmente teimoso.
Mas sabe o melhor? Foi ele quem me ensinou a rir!
Grande professor, meu pai...

Primeira Pessoa said...

seo antonio deve estar se sentindo melhor com tantos afados, Mai.
preciso ligar e contar pra ele (rs).
beijão do
Roberto.

Primeira Pessoa said...

sonia,
meu pai só aprendeu a sorrir muito recentemente, quero crer.
com ele aprendi a não ter medo da vida.
saí de casa com 18 anos de idade e tenho certeza de que cumpri, bonitinho, o combinado com ele.
benditos os que conseguem, numa idade mais tenra, a compreender os seus.
eu tenho aprendido isto.
abração do
roberto.

Unknown said...

De uma maneira ou de outra o bem sempre vence, às vezes a gente é que não dá conta. Abraço.

Cadinho RoCo said...

A fé existe é para que nela depositemos a nossa crença.
Cadinho RoCo

Primeira Pessoa said...

assis,
de uma maneira ou de outra perseveramos.
como diria drummond, isso é um tantão de saúde.
abração do seu amigo
Roberto.

Primeira Pessoa said...

crença, fé...
dois tesouros, Cadinho.
Bom te ter por aqui.
Abraço mineiro do
Roberto.

Lou Vilela said...

Mais uma vez, concluo a leitura emocionada. ;)

Um "tantão" de saúde para seu Antônio e procê!

Bjs

Fernando Campanella said...

De alguma forma, Roberto nos apaziguamos quando aparamos as diferenças entre nós e nossos pais. Foi um longo caminho para perceber que pais não aquelas pessoas caretas, para trás, e nós os 'pra frente', os revolucionários, etc. Eu, da época da bossa-nova, detestava o Francisco Alves, o Nelson Gonçalves, e até o tango, música tão apreciada por meu pai. O bonito disso tudo é que hoje curto e até ouço com meu pai. Mas continuo gostando de bossa-nova, rs, MPB, música clássica , etc. A isso eu chamo de necessária e abençoada incorporação, integração, sei lá....
Bela homenagem ao teu pai, meu caro amigo. Grande abraço.

Primeira Pessoa said...

Lou,
que bom que consegui te emocionar. Quando alguém que escreve seperta sentimentos bons em alguém, é um sentimento gostoso demais.
Isso aumentou a minha vontade de ver meus pais.
Eu tinha adiado uma ida até eles. Repenso.
A vida é curta demais.

Abração,
Roberto.

Primeira Pessoa said...

Fernando,
isso se passou na minha casa. Meu pai gostava de Nelson Gonçalves, esses caras. Eu odiava Roberto Carlos.
Aprendi a gostar.
E ele parou de dizer que meus cantores eram todos "transviados"(rs)...
Acho que ambos encontramos nosso ponto de equilíbrio e isto, tenho certeza, só vem com o tempo. Com a maturidade.
Sei que terei os mesmos grilos, de forma invertida. E terei que aprender a ser tolerante.
Sempre uma alegria te ter por aqui.

Abração do
Roberto.

Anonymous said...

Vc sempre me emocionando, Roberto, de verdade. Como é bom ver vc escrevendo tantas histórias de forma bonita, cativante, sincera, vc é realmente bom no que faz!

Que bom que vc teve o privilégio de conhecer e conviver com um dos super-homens que vagam por nosso país vencendo grandes batalhas, inúmeras adversidades.

Vc deixou bem claro o que é um herói de verdade, pois ele tem o corpo como o nosso, nenhum poder especial, além da fé e muita força de vontade.

Agora mentalizo aqui boas energias para o seu grande herói.

Abraço.

Primeira Pessoa said...

Lara,
pra quem escreve, esse é o maior elogio, a maior "paga", o maior afago, escutar que alguem se emocionou com o que essa pessoa escreveu.
Eu escrevo pouco, rasteira e rasamente, mas o faço de forma muito sincera.
Nada em mim é pirotecnia. Mesmo porque, não tenho lastro e nem competência pra tanto.
O que você lê é o que você vê (no cara que "juntou" as palavras).
Só sei me ser assim.

Abração do

R.

Anonymous said...

Melhoras pro seu pai! Texto legal que vc fez...

Primeira Pessoa said...

Obrigado,
Felipe.
E viva as palavras. E viva a poesia!

Abração do
Roberto.