Sunday, February 28, 2010

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O Verdadeiro Peso da Terra

E se tudo o que disseram tiver sido mentira? E se não houver, finalmente, vida após a morte? Já imaginaram?
De um instante para o outro a chama da vida se extingue e, como uma vela apagada, deixaremos de iluminar a escuridão à nossa volta.
Assim, de repente, não mais que de repente e, como que reagindo ao movimento do dedo no interruptor, ou no botão onde Deus escreveu, em inglês, a palavra Off, chegamos ao fim.
Cessa o movimento do corpo, a memória se apaga e a estrada da vida chega ao seu final.
Acabou. The End. Fim.
Não há mais acerto de contas, nem purgatório, nem dono do inferno ou senhor do céu.
Não haverá São Pedro, nem Satanás para dar as boas-vindas à porta da próxima parada.
Nem céu, nem inferno, apenas o buraco negro do nada e a matéria se desintegrando, gradualmente, pasto de vermes.
Este é o ponto final. Todo mundo desce aqui.
A partir daqui, só o silêncio, a escuridão, a inércia, nada mais.
Já imaginaram?
Eu, que imaginei e fiz as contas, considero-me no lucro. Se não houver nada além, já terá valido a pena.
E valeu, porque andei de pés descalços sobre a grama orvalhada, mergulhei no doce das águas de um rio e no sal das ondas do mar. Vi o sol nascer e se pôr, conheci o amor, gerei crianças perfeitas, lindas.
Fui abraçado por mornas manhãs, fiz serenatas em noites de lua cheia, recebi o afago do vento e tomei banhos de chuva.
Li livros bons e ruins, conheci pessoas interessantes, gritei “gol”.
Chorei de alegria e de dor. Gargalhei, sorri.
Bebi a poesia de Neruda, Drummond e Lorca. Sonhei mudar o mundo e acordei, pacificado e nu, diante de um imenso deserto.
Não conheci a fome ou equivalente flagelo. Sempre existiu um cobertor para me proteger do frio e um teto como abrigo às tempestades. Decifrei, menino ainda, o significado da palavra lar.
Fiz amigos, muitos. E inimigos que não enchem uma mão.
Comi pão com mortadela de padaria, colhi fruta madura no pé, senti o perfume de um jasmineiro em noite de estrelas.
Nunca roubei, matei ou envergonhei quem me trouxe ao mundo. Fui abençoado por ter vindo de quem vim.
Ao longo dos anos tentei vencer a inveja e a mesquinhez. Não sei se consegui.
Mas meus pecados podem ser considerados menores, e os medos nunca me assustaram além da conta.
Saí de minha aldeia, corri trecho, visitei mundos que imaginava longínquos demais, paisagens tiradas de páginas impossíveis. Fui e voltei.
Aprendi a me arrepender dos erros e a pedir perdão, uma das tarefas mais difíceis para o ser humano.
Obra em andamento, eu sei que ainda tenho muito a melhorar. Mas não perdi a esperança.
Se tudo o que disseram durante toda a vida tiver sido mentira, não terei mais perguntas a fazer. Nem queixumes.
E me darei por satisfeito se tiver conseguido melhorar o produto final, quando tiver chegado àquela hora de ir desta para lugar nenhum.
Reduzido a simples matéria, sei que a terra me será leve, muito leve.

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10 comments:

líria porto said...

amém!

e, de lambuja, te (re)conheci!

besos

Anonymous said...

Se um dia fizer um balanço da minha vida esta será a fonte onde vou beber.
Muito bom!
Uma semana azul esperança.
Beijos, LauraAlberto

Primeira Pessoa said...

lírica,
to repostando umas cronicas mais do início do blog.
os visitantes, na maioria das vezes, não passam da sala.

alegria imensa ter re-conhecido você.

beijão do
roberto.

Primeira Pessoa said...

laura, uma semana azul pra você também.
hoje, madruguei... muita luta pela frente...
nossa sina é essa: lutar, lutar, lutar...
e lutar mais um pouco.

essa é a peleja. do princípio ao fim.

abração do roberto.

CANTO GERAL DO BRASIL (e outros cantos) said...

De lima,
Esse seu poema em forma de crônica, não me canso de ler. Fico leve, lendo-o. Fico em paz, sereno como pingo d'água de chuvinha mansa. Você é um baita poeta, isso sim, ou o que é "paisagens tiradas de páginas impossíveis"?

Abraço valadarense,
Da rama.

Primeira Pessoa said...

da rama,
não escrevo um poema desde que a terra era plana. há algumas meses o hely (14 Bis) me pediu umas letras pra ele colocar melodia... e até agora não conseguir rabiscar uma linha sequer...
tá mais difícil que o galo ganhar do cruzeiro...

mas tenho esperança...

abração do
roberto.

Anonymous said...

Que bom, bom mesmo!

=)

To saindo hoje daqui, se Deus quiser, amanhã de manhã to na capital federal novamente.

Beijos!

Primeira Pessoa said...

larinha,
faça uma boa viagem. que bras''ilia te receba bem.
aliás, voce vai encontrar o distrito federal sem governador, sem vice (eleitos) e com dois deputados distritais devidamente afastados...

ou seja: encontrará brasília melhor do que deixou.

abração do

roberto.

ana p said...

... E palavras perfeitas
Bj

Primeira Pessoa said...

magnólia,
quando cê passa por aqui com essa flor no avatar, perfuma o olhar dos que me leem... perfuma as palavras... e deixa um rastro de leveza no dia...

abração do
roberto.