Saturday, March 20, 2010














É amargo o coração do poema.
A mão esquerda em cima desencadeia uma estrela,
em baixo a outra mão
mexe num charco branco. Feridas que abrem,
reabrem, cose-as a noite, recose-as
com linha incandescente. Amargo. O sangue nunca pára
de mão a mão salgada, entre os olhos,
nos alvéolos da boca.
O sangue que se move nas vozes magnificando
o escuro atrás das coisas,
os halos nas imagens de limalha, os espaços ásperos
que escreves
entre os meteoros. Cose-te: brilhas
nas cicatrizes. Só essa mão que mexes
ao alto e a outra mão que brancamente
trabalha
nas superfícies centrífugas. Amargo, amargo. Em sangue e exercício
de elegância bárbara. Até que sentado ao meio
negro da obra morras
de luz compacta.
Numa radiação de hélio rebentes pela sombria
violência
dos núcleos loucos da alma.

Herberto Helder

*

A Música Que Toca Sem Parar:
Kleiton e Kledir, parceria de irmãos, Bry.


*

14 comments:

Lídia Borges said...

Sim. Às vezes os poemas ferem como se as palavras se tornassem independentes só para nos humilhar.

Herberto Hélder, um nome incontornável cuja
linguagem poética toca o universo da mística, da alquimia.

Parabéns por esta escolha.

Primeira Pessoa said...

lídia,
tenho conhecido poetas geniais.
perdi muito tempo, admito...

herberto foi uma de minhas gratas surpresas.

abração do
roberto.

Anonymous said...

Muito interessantes os versos. Sombrios e encantaores ao mesmo tempo. Bom, se publica Raul e Drummond é porque aqui tem coisa boa.
Beijos e bom final de semana!

Primeira Pessoa said...

luciana,
luciana,
seja bem vinda a esse cantinho.
tomare que goste das coisas que plantamos aqui.

sinta-se em casa.
aqui, a amizade faz morada.

abração do
roberto.

Sylvia Araujo said...

O silêncio é o melhor agradecimento que posso te oferecer por fazer essa jóia entupir os meus olhos. Eu gosto da sensação que o amargor faz dançar na língua - costumo lamber o coração de todo poema que pulsa.

Um beijo no teu coração.

Odele Souza said...

Roberto,

Palavras fortes neste texto intenso. Bonito.

Bom domingo pra você.

Anonymous said...

Gostei da delicadeza e da força do seu texto. Volto mais!
Beijos.

Primeira Pessoa said...

J,
ainda existem pessoas delicadas.

e gentís.
como você.

grato pela visita.

abração do
Roberto.

Primeira Pessoa said...

Odele,
to devendo uma resposta ao email que me mandou. Saiba que emocionei-me muitíssimo quando me disse que leria a crônica para sua filha. Se isso aconteceu, já valeu a pena ter passado os ultimos 25 anos de minha vida escrevendo crônicas.

Abraço grande do
Roberto.

Primeira Pessoa said...

Sylvia,
um grande amigo meu costuma dizer que melancolia é ruim, mas é bom.
certos poemas nos amputam.

muito forte e bonita a imagem que ficou das suas palavras (lamber o coração do poema).

fiquei muito feliz pela sua visita.
Abração do
Roberto.

Anonymous said...

E eu a escrever sobre o sabor a nada!
Apesar de já ter passado um dia, bom dia da poesia, POETA ROBERTO (escondido pelo maravilhoso cronista)
Beijos
Laura

Luis Baptista said...

Roberto, obrigado pela sugestão do quadro. Certamente irei representá-lo um dia.
Parabéns pela escolha do poema - Herberto Helder é para mim um dos nomes maiores da poesia contemporanea.

Abraço

Primeira Pessoa said...

laura,
retribuo os votos com um adendo: todo dia é dia de poesia. todo dia é dia de poeta.

concorda?

abração do
roberto.

Primeira Pessoa said...

Maravilha, Luis. Tarsila é show!
Obrigado pelas palavras carinhosas. Sim, Herberto Helder é um dos maiores expoentes da poesia contemporânea e, sempre que der, ele ganhará um espaço aqui neste blog.

abração do
roberto.