Tuesday, January 26, 2010

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Carta Aberta a Um amigo Distante


Newark, um dia qualquer do outono de 2007.

Zé de São Raimundo,
hoje tive muita saudade de você.
E tive saudade da gente naquele espaço-tempo, e de tudo aquilo em que acreditávamos.
Saudade da nossa juventude e de você com aquele cabelo djavaneado, besuntado de creme japonês, formigueiro andante pelas ruas de Governador Valadares.
Saudade das minhas camisas floridas - vela aberta ao vento -, fita do Senhor do Bonfim no pulso esquerdo, e a incerteza pulsando naquele coração que flertava com o futuro mais oculto.
Num tempo em que vivíamos na poesia, ingênuos, incautos verdes, acreditávamos que sobreviveríamos da palavra e que encontraríamos no ritual de esculpir verbos um meio de vida e sobrevida. Ledo engano, Zé, como tantos outros.
Achávamos que um governo petista resolveria os problemas maiores do nosso país. Víamos em Lula a figura de um novo Messias e por incontáveis momentos reconhecemos em José Dirceu a sabedoria de um rei Salomão.
Fomos logrados, caro amigo. O tempo é o senhor de todas as verdades.
O PT caiu na vala comum e sei que já não acendemos velas para a estrela solitária.
Perdemos a inocência ao sabor das decepções.
Viver é doce e é amargo, é esta a lição tirada.
E assim vamos somando e subtraindo, botando e tirando coisas do embornal.
Das coisas que me caíram do alforje, sua amizade e presença constante estão entre as que mais fazem falta. Perdi um referencial, um espelho no qual eu via refletir minha vontade de mudar o mundo. Baixei os braços, Zé.
Quixote sem Sancho, hoje eu toco na banda apenas pelo dever de cidadão. O que é louvável e me deixa honrado da cabeça aos pés. Mas transformei-me num contente. Mais um.
Sinto falta de nossa amizade. Sinto falta de você em meu cotidiano conflituoso, briguento. Faz me falta o ofício de sonhar. Faz-me falta a luta.
Ao meu modo, venho vencendo a peleja pelo pão e pelo conforto. Tenho consciência disto. E gratidão.
Sempre tive certeza de que conquistaria isto (mesmo nos dias mais chuvosos!) e, apesar de minha preguiça, indisciplina e limitações mais gritantes, o fracasso já não é uma possibilidade, posto que estou no lucro faz muito tempo.
Mas, te confesso, caro amigo, que de vez em quando, adormeço com o céu azul de Minas Gerais nas retinas. E sonho com as muriçocas de São Raimundo, os lambaris da Biquinha, o ardido da pinga de Coroaci, a névoa aos pés da santa anunciando a chuva e a água cor de barro do 'rião' que ainda desliza em direção ao Espírito Santo.
Quimera? Quem me dera, amigo Zé.
Quero te ver em breve, se a vida assim nos permitir. Vá guardando a cachaça, que eu providencio o tira-gosto para a prosa da boa.
Vê se não some mais.
Abraço e amizade perene do
Roberto.

8 comments:

Unknown said...

Vis, Croatia

Non je ne regrette rien: Ediney Santana said...

Saudade..tema bom
"O PT caiu na vala comum e sei que já não acendemos velas para a estrela solitária.
Na Bahia o PT está renascendo o carlismo, o PT com todo respeito, se vc é petista, é mais que uma vergonha vermelha é um crime contra tantos vivos e mortos...sonhadores que agora despertam para a realidade cruel, o PT é um grande lixo politico.
Com respeito a Saudade,
gostei dessa distancia entre o dia de hoje e as lembraças do autor e personagem

líria porto said...

eu também tenho um amigo chamado zé - de alguma forma parecido com o teu:

arqueiro
líria porto

vou te dizer quem é
meu querido amigo zé

zé é homem de grandezas
é forte mais do que touro
odeia igual o diabo
age como o fazem os deuses

zé sabe de a a z
pode incluir k w y
enfrentou já nesta vida
a montanha o precipício

zé quando quer e decide
sai da frente não o impeças
passa qual locomotiva
a arrastar sua espécie

zé é daqueles seres
tu o louvas ou maldizes
às vezes as duas coisas
jamais o desinteresse

zé é minério de minas
não se verga não se entrega
e carrega dentro dentro
um coração de ambrosia

ah
por pouco eu não contava
o zé despreza os poetas
a poesia ele exalta

*

besos

Primeira Pessoa said...

líria,
esse meu zé é um grande poeta, professor de literatura na Univale. crescemos juntos, publicamos um livro a quatro mãos, editams um folhetim de poesia na região... um grande sujeito.
zé, ou bispo filho... como preferir chamá-lo.
um irmão que tenho.
daqueles irmãos que a vida escolhe pra nós, desafiando a genética.
beijão do
roberto.

Primeira Pessoa said...

ediney,
não sou petista.
mas acreditei nessa idéia, segui essa estrela, estrela essa que se apagou dentro de alguma cueca recheada de dólares.
sim, a vala comum...
uma pena.

bem vindo ao blog.
abração do
roberto.

John Doe said...

Nunca aprendi a escrever uma carta, na verdade até hoje nunca tinha dado muito importancia a isso...

Nas mãos de algum até mesmo uma carta se torna poesia...

líria porto said...

uai - cadê-te, hombre?

CANTO GERAL DO BRASIL (e outros cantos) said...

Roberto,
Seu amigo Zé Bispo está aqui em Valadares somando e semeando sonhos. Eu o vi pela última vez na reabertura do Teatro Atiaia, em 23 de dezembro. Ele sempre foi uma figura enigmática pra mim, senhor de seiscentos instrumentos, porte de elegante fidalguia, esguio e sempre bem vestido, um lorde valadarense.
Ainda quero bater bons papos com ele, pois cresci admirando-o muito, como admiro você também. Quero convidá-lo (convite em dobro) para vir à minha casa e tocar (depois de afinar) meu violão pra mim, quem sabe sua última canção composta.

Fã de vocês dois,
Ramúcio.