Wednesday, March 24, 2010

.












TODAS AS PALAVRAS

As que procurei em vão,
principalmente as que estiveram muito perto,
como uma respiração,
e não reconheci,
ou desistiram e
partiram para sempre,
deixando no poema uma espécie de mágoa
como uma marca de água impresente;
as que (lembras-te?) não fui capaz de dizer-te
nem foram capazes de dizer-me;
as que calei por serem muito cedo,
as que calei por serem muito tarde,
e agora, sem tempo, me ardem;
as que troquei por outras (como poderei
esquecê-las desprendendo-se longamente de mim?);
as que perdi, verbos e
substantivos de que
por um momento foi feito o mundo.
E também aquelas que ficaram,
por cansaço, por inércia, por acaso,
e com quem agora, como velhos amantes sem
desejo, desfio memórias,
as minhas últimas palavras.


Manuel António Pina
Jornalista e escritor português
(Sabugal, Beira Interior, 18 de Novembro de 1943)



A Música Que Toca Sem Parar:
Roberto Mendes, Flor da Memória, melodia dele, vestindo as palavras de Capinam

29 comments:

Anonymous said...

Dá uma sensação de que certas palavras que escrevemos são sempre "últimas". Às vezes elas fazem isso conosco porque gostam de chamar nossa atenção, e os desfechos têm sempre cara de serem mais importantes...

É, dei uma viajada, mas para te alcançar, tenho que viajar mesmo =).

Muito bom o poema do amigo português aí.

Beijão, Robertinho do coração!

Francisco de Sousa Vieira Filho said...

Confesso, não conheço a obra [o autor, só de nome] - o primeiro contato com sua poesia é aqui contigo... belíssimo!!!

Jorge Pimenta said...

Já reparaste como todas as palavras mais não são que silêncios disfarçando copos, risos e sonhos de cristal fino? Já reparaste como todas as palavras são, afinal, nada... e nós com elas... Satisfaço-me com os ecos da voz ou os borrões de tinta...
Um abraço, Roberto!

Primeira Pessoa said...

Larinha,
elas são sempre "últimas" porque deixam de nos pertencer.
jogadas no papel (mesmo aqui, nesse papel virtual do monitor) elas não voltam mais. algumas delas nos tocam de tal maneira, nos emocionam e sugam de tal forma que temos a sensação de que não brotarão as "proximas"...
fica essa sensação de deserto.
esse cariri.


ó, prestenção: de viagem em viagem.... a gente vai se fazendo.

Beijos, Larinha.

Primeira Pessoa said...

valeu, francisco.
fico feliz que tenha gostado.
abração.

Primeira Pessoa said...

Seu Jorge,
já reparou como você acordou inspirado hoje?
E as palavras?
Tudo.
E nós com elas...rs

abração, poeta.

líria porto said...

nossa - tem poemas que nus pegam no figo!!!
besosssssssssss

Primeira Pessoa said...

ou na pleura...rs

esses portugas sabem tudo da lingua que inventaram.

t-u-d-o, lírica....

Anonymous said...

Eu quero todas as palavras contidas num silêncio ensurdecedor.

Beijoca.

Primeira Pessoa said...

Juliana,
as palavras... sempre as palavras... mesmo essas, embrulhadas (ou contidas) num silêncio ensurdecedor. (lembrei-me de uma música que tem essas duas palavras - silêncio ensurdecedor -. Pastores da Noite, parceria de hermínio Belo de carvalho e Vital Lima.... linda canção).

abração do
roberto.

jad said...

As palavras são o melhor que conseguimos inventar para dizer o silêncio. A poesia é a sua morada. A música a sua cama.

Em@ said...

Ai as palavras...que dizem tudo e nada.E podem dizer o contrário do que se diz, consoante quem as ouve. Ou também escondem...
Ai o silêncio... que sendo tão profundo e autosuficiente assusta tanta gente.
.
Obrigada pela tua visita e comentário, Roberto, assim como por teres postado o Manuel António Pina.

Abreijo

.maria. said...

sempre aqui brilhantes escolhas... adoro seu brrog. rs. beijos, inté!

ana p said...

Especialmente as que calamos e depois nos doem tanto por dentro....
Beijo

Primeira Pessoa said...

magnólia,
daí a eterna dúvida: falar ou calar.
há quem prefira o consentimento.
estou entre os que verbalizam.
sempre. péssimo cabrito, morrerei berrando.

abração,
R.

Primeira Pessoa said...

uai, maria... quem faz o "brógui" é quem o frequenta.

sou um mero ascensorista deste "elevador".

beijão procê.

R.

Primeira Pessoa said...

ema,
às vezes o silêncio é a melhor companhia. e a melhor música.

calar, nem sempre é consentir.

vixe, maria! embolei o trem todo.

abração do
roberto.

Primeira Pessoa said...

jad,
tenho comigo a teoria de que a palavra foi a maior invenção do homem.
e acho que é a primeira vez que digo isto.

abração do
roberto.

jad said...

E dizes bem, Roberto. Foi assim que se fez e se faz mundo. Pelo menos é a dimensão demiúrgica que nos é acessível.

Abraço

CANTO GERAL DO BRASIL (e outros cantos) said...

Delima,
As melodias de Roberto Mendes vestindo as palavras (Todas as Palavras, ele que já musicou o Pessoa pra Bethânia gravar) de Capinam é sempre lindo: parceria ímpar, poeta. Eu que tive a sorte de ter um poeminha meu vestido pela melodia dele (quem sabe um dia alguém desavisadamente grave nosso "Doce Amaro Amor"), guardo a imensa felicidade de me ter tornado amigo pessoal dele, de frequentar sua família e amigos. Ele que o quer conhecer há muito, Roberto, pois já é seu fã e sempre falamos sobre você quando nos falamos. E por falar nisso, finalmente consegui (tarefa difícil em Valadólares, né!) um portador que vai levar-lhe o CD do Samuel de Abreu aí em Newark, que o Mendes generosamente produziu.
E fico a lhe dever mais este poeta: Manuel Antônio Pina que ainda era inédito e dirperso pra mim.

Admiração de sempre,
Ramúcio.

Paulo Jorge Dumaresq said...

Nossa, assim que comecei a ler o poema fui trocando palavras por pessoas, lembrando das "que estiveram muito perto, como uma respiração, e não reconheci, ou desistiram e
partiram para sempre, deixando no poema uma espécie de mágoa como uma marca de água impresente".
Fabuloso o poema do Manuel António Pina que só você, Roberto, posta para nos brindar neste espaço virtual. Obrigado e forte abraço.

Primeira Pessoa said...

da rama,
o engraçado é que passei o dia escutando roberto mendes (que pra mim é uma nostalgia presente... forte e pulsante)...
compartilho a música dele com quem posso e se interessa.
a juliana assina caribé, como ele. serão primos distantes?
saberemos.

outra coincidência: ontem, falando com celso adolfo ao telefone combinamos uma viagem à bahia. sairíamos de avião de BH até Vitória da Conquista (tenho amigos lá... Evandro Correa, compositor de talento... Balinha e Mita, irmãos nascidos do ventre de outra mãe) e Celso tem uma conexão com Elomar Figueira de Mello.
Iríamos à Casa dos Carneiros, passaríamos uns 3 dias em Vitória da Conquista e de lá rumaríamos para Santo Amaro (num carro alugado) conhecer Roberto Mendes. Tudo seria combinadinho, obviamente.

Fique de olho no lance, meu menino.
quem sabe voce não vai junto?

abração do
roberto.

Primeira Pessoa said...

PJ, meu paulo poeta...

poesia mesmo é sua presença nesse cantinho.
um dia irei a Natal (onde tenho um amigo querido... Falcão, que tem um dos melhores blogs de musica brasileira
( http://poeiraecantos.blogspot.com/ ), repleto de tesouros da nossa música.

te deixo uma abraço, poeta, que asina paulo.

abração do
roberto.

Primeira Pessoa said...

Jad,
é por isso que eu bebo (rs)...

e por outros motivos menos nobres, obviamente...

enquanto isto, vamos aprendendo, juntos, um pouquinho mais sobre esse ofícil difícil e complicado, que é o viver.
abração do
roberto.

Wilson Torres Nanini said...

Roberto,

Muito obrigado pelo link.

Muito bom este português. Abraços!

Primeira Pessoa said...

os lusitanos inventaram essa bela língua, nanini...

e fazem dela gato e sapato...

é intimidante...rs


valeu, poeta!

jad said...

Brindo, Roberto, à vida e às palavras com que a fazemos e nos fazemos.
Abraço.

Primeira Pessoa said...

então,
brindemos à palavra, Jad.
tintim!
viva ela! viva nós!

líria porto said...

fio
líria porto


rio sobre a ponte
rio sobe a ponte
rio sob a ponte
rio só


ponte
um ponto sem nós

*

besos